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CÓDIGO CIVIL INTERPRETADO

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Pensão por morte. Ex-cônjuge. Dispensa dos alimentos na ocasião da separação judicial. Acordo homologado há mais de 20 anos. Mudança na situação econômica. Inteligência dos arts. 1.694, 1.704 e 1.707 do CC/2002. A mulher que desiste dos alimentos na separação judicial não fica impedida de perceber a pensão previdenciária pela morte do ex-esposo, uma vez demonstrada a necessidade econômica superveniente. Leia, abaixo, mais um interessante e importante pronunciamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, através da sua Segunda Câmara de Direito Público, envolvendo o Instituto de Previdência de Santa Catarina - IPESC. A leitura do  v. acórdão abaixo reproduzido faz-se necessária, não só pela aplicação dos dispositivos do Novo Código Civil ao Direito Previdenciário, mas também porque traz a doutrina de Yussef Said Cahali e inúmeros precedentes jurisprudenciais, inclusive do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Data: 22/03/2007 Acórdão: Apelação Cível n. 2005.043181-5, da Capital.
Relator: Des. Francisco Oliveira Filho.
Data da decisão: 28.03.2006.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PENSÃO POR MORTE - EX-CÔNJUGE - DISPENSA DOS ALIMENTOS NO ACORDO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - MUDANÇA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA - NECESSIDADE COMPROVADA - DIREITO AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - DESPROVIMENTO DO APELO E DO REEXAME OBRIGATÓRIO.
"É devida pensão por morte ao ex-cônjuge separado judicialmente, uma vez demonstrada a necessidade econômica superveniente, ainda que tenha havido dispensa dos alimentos por ocasião da separação" (AgRg no REsp n. 527349/SC).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.043181-5, da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que é apelante o Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina - IPESC, sendo apelada Tereza Leandro:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, desprover o apelo e o reexame necessário.
Custas legais.

Tereza Leandro deflagrou actio em face do Instituto de Previdência de Santa Catarina - IPESC, pleiteando ser incluída como beneficiária da pensão por morte de seu ex-marido. Alegou que, embora tenha renunciado aos alimentos quando da separação judicial, sua situação econômica mudou, estando desempregada e com problemas de saúde, e sustentou que aqueles são, na verdade, irrenunciáveis.
Citado, apresentou contestação o ente autárquico, argüindo, preliminarmente, impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade de parte. No mérito, sustentou que a autora dispensou pensão alimentícia quando se separou do segurado, e que a pensão previdenciária rege-se pela data do óbito, ocasião em que não tinha a condição de dependente do ex-cônjuge.
Réplica às fls. 62/64.
O Ministério Público opinou pela procedência do pedido.
Após oitiva de testemunhas, apresentaram as partes alegações finais.
Em novo parecer, o Parquet entendeu ausente interesse público a exigir sua intervenção no feito.
A d. Togada a quo julgou procedente o pedido, determinando ao IPESC a inclusão da autora como beneficiária de pensão por morte do ex-marido e condenando-o ao pagamento das prestações devidas desde a propositura da ação.
Irresignado, apelou o vencido, pois, em suma, na ocasião do óbito não era a autora dependente do ex-cônjuge.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Guido Feuser, não vislumbrou interesse a justificar sua intervenção.

É o relatório.

A apelada separou-se judicialmente de Heriberto Pereira da Silva em 1984, tendo dispensado pensão alimentícia em razão de possuir meios para prover sua subsistência. O cônjuge varão, porém, ficou obrigado a prestar alimentos aos filhos menores e a continuar pagando as prestações referentes ao financiamento da casa (fl. 11).
Ele faleceu em 1993 e, naquela época, conforme relatado na inicial, a ex-esposa deixou de requerer pensão por morte, pois se encontrava em situação financeira razoável.
Contudo, estando desempregada e padecendo de sérios problemas de saúde, sua situação econômica teria mudado, necessitando agora do benefício previdenciário para sua subsistência.
Com efeito, restou comprovado que a apelada vem passando por dificuldades, o que se conclui do documento de fl. 13 e dos depoimentos das testemunhas.
Sebastião José Machado declarou: "Conhece D. Tereza há uns três ou quatro anos quando ela passou a procurá-lo na Prefeitura para ajudá-la com remédios e cesta básica. D. Tereza passa sérias dificuldades financeira (sic). A casa de D. Tereza está caindo, está em péssimo estado. Os filhos dela são pobres e não tem condições de ajudá-la. Ajuda D. Tereza quase todo mês com remédio" (fl. 83).
Marlene Mozer Ferrari informou que aquela não pode mais exercer a profissão de costureira por motivo de doença e que "os filhos dela todos são pobres e não podem sustentá-la [..] A casa de D. Tereza está quase caindo" (fl. 84).
O depoimento de Aladir Terezinha Coelho confirma a precária situação vivenciada: "Já naquela época da separação a autora precisava de alimentos do marido e somente os dispensou para conseguir a separação. A autora agora está mais velha e com dificuldade de trabalhar por isso precisa da pensão do marido. A autora tem problemas de coluna. [...]. Todos os filhos da autora são muito pobres, não podem sustentá-la" (fl. 85).
Demostrada a necessidade da apelada, cumpre afastar a alegação de que, por ter dispensado os alimentos por ocasião da separação e por não ser dependente do ex-marido quando de sua morte, não poderia vir a receber agora a pensão por morte.
Não obstante o teor da Súmula 379 do Supremo Tribunal Federal, na vigência do Código Civil de 1916 havia grande discussão doutrinária sobre a possibilidade de renúncia de alimentos na separação judicial. Muitos autores entendiam ser válida e eficaz a renúncia, uma vez que o art. 404 (que dizia irrenunciáveis os alimentos) referir-se-ia tão-somente à pensão alimentícia devida entre parentes, aí não incluídos os cônjuges.
O Código Civil de 2002, todavia, põe fim à polêmica, visto que estabelece em um mesmo dispositivo (art. 1.694) o direito de pedir alimentos não só entre parentes, como também entre cônjuges ou companheiros. E, no art. 1.707, está prevista a irrenunciabilidade do direito: "Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora".
Na hipótese sub judice, embora tenha sido o acordo de separação judicial homologado em 1984, é aplicável o princípio da irrenunciabilidade consagrado pelo atual Codex, sendo desnecessária discussão sobre a validade da renúncia segundo os preceitos do Código revogado.
Nas palavras de Yussef Said Cahali, "impõe-se reconhecer que, em qualquer caso (portanto, independentemente da Súmula 379), mesmo que homologada a separação consensual com cláusula de renúncia da pensão, anteriormente à vigência do Novo Código Civil, sempre haverá possibilidade de reclamarem os cônjuges separados judicialmente, um do outro, 'os alimentos que vier[em] a necessitar' (art. 1.704).
"Pois, além de representar a irrenunciabilidade de alimentos norma de ordem pública, estamos diante de uma relação jurídica continuativa pertinente ao estado das pessoas, qual seja de 'cônjuges separados judicialmente'" (Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 358).
Assim, apesar de ter dispensado alimentos no acordo de separação judicial, poderia a qualquer tempo a apelada pleiteá-los se sua situação econômica se alterasse e viesse a necessitar daqueles.
Do mesmo modo, ainda que tenha deixado de requerer pensão por morte quando seu ex-marido faleceu, benefício que seus filhos passaram a perceber, nada impede que agora venha a recebê-lo, porquanto comprovada sua necessidade.
O ente autárquico alega em suas razões de apelação que "a ex-esposa também tem direito à pensão aqui perseguida, se comprovar sua dependência econômica junto ao ex-marido", mas, como "a qualidade de dependente é verificada na ocasião do evento morte" e ela não dependia do ex-cônjuge à época, seu pedido não poderia ser acolhido.
Dispõe o art. 13 do Decreto n. 2.512/77, trazido pelo IPESC na contestação: "A perda da qualidade de beneficiário ocorrerá: a) para os cônjuges pela anulação do casamento ou pelo desquite, na qual não fique estipulada a obrigação de pagar alimentos".
A esse dispositivo, porém, não deve se dar uma interpretação restritiva, mas levar em conta o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos, acima analisado.
Nesse sentido, são inúmeros os julgados do Superior Tribunal de Justiça em que se reconhece o direito à pensão por morte mesmo que tenha a ex-cônjuge dispensado os alimentos quando da separação judicial:
"É devida pensão por morte ao ex-cônjuge separado judicialmente, uma vez demonstrada a necessidade econômica superveniente, ainda que tenha havido dispensa dos alimentos por ocasião da separação" (AgRg no REsp 527349/SC, Min. Paulo Medina, j. 16.09.03).
Também: "Desde que comprovada a ulterior necessidade econômica, o cônjuge separado judicialmente, ainda que tenha dispensado a pensão alimentícia, no processo de separação, tem direito à percepção de pensão previdenciária em decorrência do óbito do ex-marido" (REsp 177350/SP, Min. Vicente Leal, j. 25.04.00).
Ainda, no mesmo sentido: REsp 195919/SP, Min. Gilson Dipp, j. 14.12.99; REsp 196678/SP, Min. Edson Vidigal, j. 16.09.99; REsp 202759/SP, Min. Felix Fischer, j. 08.06.99; REsp 178630/SP, Min. Fernando Gonçalves, j. 16.04.99.
E da jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça colhe-se: "A mulher separada judicialmente, dispensada da percepção de alimentos por desfrutar de proventos próprios de aposentadoria, não perde o direito à pensão previdenciária decorrente da morte do ex-marido/segurado. Para tanto bastante é comprovar a necessidade atual aos alimentos, posto que irrenunciáveis" (Ap. cív. n. 41.880, da Capital, Des. Alcides Aguiar, j. 07.04.94).
Também: "A mulher que desiste dos alimentos na separação judicial não fica impedida de perceber a pensão previdenciária pela morte do ex-esposo, mas precisa comprovar a alteração de sua situação econômico/ físico/ pessoal para a obtenção do benefício" (Ap. Cív. n. 41.945, da Capital, Des. Eder Graf, j. 01.06.93).

Ante o exposto, nega-se provimento ao apelo e ao reexame necessário.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Orli Rodrigues e Jaime Ramos.

Florianópolis, 28 de março de 2006.

Francisco Oliveira Filho
PRESIDENTE E RELATOR

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