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Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Falecimento de sócio-gerente. Liminar que concede ao inventariante o direito de administrrar a empresa em conjunto com o sócio remanecente. Impossibilidade. Em se tratando de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, ainda que as cotas do sócio falecido passem aos seus herdeiros, tal fato não os transforma, automaticamente, em sócios da pessoa jurídica, mas sim em credores dessa, com direito de reclamar a parte que lhes toca. O ingresso dos herdeiros no quadro societário depende do que dispõe o estatuto social a respeito. Não havendo cláusula que confira aos sucessores do sócio falecido o direito de ingressar, desde logo, na composição societária e exigindo o estatuto a anuência do sócio remanescente para a aceitação de novo sócio, descabida é a decisão que permite ao herdeiro e inventariante do espólio administrar a sociedade. Conheça um pouco mais dos dispositivos que disciplinam a sociedade limitada no atual Código Civil, fazendo a leitura do v. acórdão abaixo reproduzido, que, à final,  afirmou que o Novo Código Civil continuou dando importância a affectio societatis, pois, ao mesmo tempo que admite que um terceiro não sócio seja administrador da sociedade por cotas de responsabilidade limitada, exige que haja autorização expressa no contrato social(art. 1.061).  

Data: 21/03/2007 Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2002.016677-0, de Braço do Norte.
Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz.
Data da decisão: 07.08.2003.
Publicação: DJSC n. 11.261, edição de 28.08.2003, p. 27.

EMENTA: AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. FALECIMENTO DE SÓCIO-GERENTE. LIMINAR QUE CONCEDE AO INVENTARIANTE O DIREITO DE ADMINISTRAR A EMPRESA EM CONJUNTO COM O SÓCIO REMANESCENTE. IMPOSSIBILIDADE. LIMINAR REVOGADA. RECURSO PROVIDO.
A titularidade das cotas do sócio falecido passam aos seus herdeiros, mas tal fato não os transforma, automaticamente, em sócios da pessoa jurídica, mas sim em credores dessa, com direito de reclamar a parte que lhes toca.
O ingresso dos herdeiros no quadro societário depende do que dispõe o estatuto social a respeito. Não havendo cláusula que confira aos sucessores do sócio falecido o direito de ingressar, desde logo, na composição societária e exigindo o estatuto a anuência do sócio remanescente para a aceitação de novo sócio, descabida a decisão que permite ao herdeiro e inventariante do espólio administrar a sociedade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 02.016677-0, da Comarca de Braço do Norte, em que é agravante Elviro Debiazi Volpato, e agravado Jair Volpato:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, dar provimento ao recurso, revogando-se a liminar concedida.
Custas na forma da lei.

RELATÓRIO:
Elviro Debiazi Volpato interpôs agravo de instrumento contra a decisão do MM Juiz a quo que, nos autos da ação cautelar inominada incidental proposta por Jair Volpato, deferiu liminar, independentemente de prestação de caução, para que o agravado passasse a administrar, em conjunto com o agravante, a empresa Irmãos Volpato Ltda, na qualidade de inventariante dos bens pertencentes ao espólio do sócio-gerente Eleotério Volpato, até o final do procedimento de inventário (fls. 19/21). Aduziu a inexistência de fumus boni iuris, pois a administração da empresa cabe ao sócio designado no contrato e o agravado não foi nomeado para exercer a gerência da mesma, sendo que a morte do sócio não transfere automaticamente aos herdeiros o direito de administração. Disse, por outro lado, que os herdeiros já manifestaram que não pretendem continuar a sociedade em razão da quebra da affectio societatis e, com tal propósito, promoveram a ação de produção antecipada de provas de nº 010.02.000511-3, na qual pleiteiam a valoração dos bens da empresa. Afirmou ainda a inexistência do periculum in mora, já que o agravante jamais impediu o agravado de exercer a função de inventariante em relação à empresa, que sempre esteve aberta a toda fiscalização por parte dos herdeiros. Requereu a revogação da medida liminar deferida.
Foi deferido efeito suspensivo à decisão agravada (fls. 449/451).
Decorrido o prazo legal, a parte agravada deixou de apresentar contra-razões.

É o relatório.

VOTO:
Pretende o recorrente a revogação da decisão proferida pelo magistrado monocrático, concedendo o direito de o herdeiro e inventariante do espólio do falecido sócio-gerente da empresa Irmãos Volpato Ltda, Eleotério Volpato, administrá-la conjuntamente com o outro sócio-gerente Elviro Debiazi Volpato, ora agravante.
O recurso merece provimento.
Em se tratando de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, ainda que as cotas do sócio falecido passem aos seus herdeiros, tal fato não os transforma, automaticamente, em sócios da pessoa jurídica, mas sim em credores dessa, com direito de reclamar a parte que lhes toca.
A respeito da cessão de cotas causa mortis, comenta Amador Paes de Almeida:
"(...) de todo conveniente lembrar que, frente ao nosso direito, a morte de um dos sócios não acarreta, por si só, a dissolução da sociedade, se foi no contrato social prevista a continuação com os herdeiros.
Assim, estabelecida o contrato social a continuação da sociedade, no caso de morte de um dos sócios, tal cláusula torna-se, obviamente, obrigatória para os sócios sobreviventes, não lhes sendo lícito recusar a entrada dos herdeiros para a sociedade. Aos herdeiros, sim, é facultada a recusa, já que não sendo sócios, mas tão-somente credores nos limites de seus respectivos quinhões, poderão ou não se associar voluntariamente." (Manual das Sociedades Comerciais, SP: Saraiva, 1995, p. 132). Grifado.
O Decreto nº 3.708/19, e subsidiariamente o Código Comercial, sob a égide dos quais foi estabelecido o contrato social da empresa Irmãos Volpato Ltda, estabeleceram critérios para o ingresso de novas pessoas no quadro societário, conferindo amplo poder de escolha aos sócios sobre transformações deste jaez. Assim, no caso de falecimento do sócio, embora a titularidade das cotas pertencentes ao de cujus passe aos herdeiros, esses não se tornam imediatamente cotistas, devendo ser respeitadas as disposições contratuais pertinentes.
A propósito, extrai-se os seguintes arestos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "ACAO ANULATORIA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. MORTE DE SOCIO. HERDEIROS. O FALECIMENTO DE SOCIO, EM SE TRATANDO DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, NAO TRANSFORMA OS SEUS HERDEIROS EM SUCESSORES NA SOCIEDADE, MAS SIM EM CREDORES DESTA, COM DIREITO APENAS DE RECLAMAR A PARTE QUE LHES CABE PELA RETIRADA DA SOCIEDADE. SENTENCA DE IMPROCEDENCIA DE ACAO ANULATORIA CONFIRMADA. RECURSO ADESIVO NAO CONHECIDO, AUSENTE QUE ESTA O RESPECTIVO PREPARO. (5FLS.) (AC nº 70000979013, rel. Des. Sérgio Pilla da Silva, julgada em 03.08.00).
"ACAO DE DISSOLUCAO DE SOCIEDADE. SEGUNDO A JURISPRUDENCIA, O FALECIMENTO DO SOCIO TRANSFORMA OS SEUS HERDEIROS NAO EM SEUS SUCESSORES NA SOCIEDADE E, SIM, EM CREDORES DESTA, COM DIREITO NAO DE PEDIR A DISSOLUCAO DA SOCIEDADE, E SIM DE RECLAMAR COMO CREDORES, A PARTE QUE LHES CABE E QUE E RETIRADA DA SOCIEDADE. PRECEDENTE: REV. FORENSE (RF, V-75/599). APELO DESPROVIDO. (AC nº : 595041377, rel. Des. Cacildo Andrade Xavier, julgada em 07.11.95).
"SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. FALECIMENTO DE SOCIO. SITUACAO DOS HERDEIROS. SE FALECE O SOCIO, A QUOTA PASSA A SEUS HERDEIROS, OU AOS LEGATARIOS, MAS ISSO NAO OS TORNA AUTOMATICAMENTE SOCIOS. OS HERDEIROS E LEGATARIOS SO SE TORNAM SOCIOS E ASSIM SE DISPOS NO CONTRATO SOCIAL. PODENDO ATE NEGAR AO HERDEIRO A CONDICAO DE SOCIO, PODEM OS SOCIOS CONVENCIONAR O MENOS, ISTO E, FACULTAR-LHE O INGRESSO NA SOCIEDADE MAS EXIGIR QUE A OPCAO SEJA MANIFESTADA EM DETERMINADO PRAZO PEREMPTORIO. SE O HERDEIRO NAO E SOCIO, NAO PODE COMO SOCIO PEDIR CONTAS AOS GERENTES DA SOCIEDADE. (AC Nº 39867, rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, julgada em 09/12/1981).
Deste Sodalício destaca-se:
"Direito empresarial. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Falecimento de sócio. Suspensão de alterações contratuais. Contrato social que condiciona a admissão dos herdeiros à expressa manifestação de vontade dos sócios remanescentes. Hipótese em que ao herdeiro cumpre apenas a apuração de haveres.
O indício de fraude justifica o sobrestamento cautelar dos efeitos de alteração contratual.
Se no contrato social foi estipulado que o herdeiro das quotas somente ingressa na composição societária mediante a expressa manifestação de vontade dos sócios remanescentes, não lhe é conferido, antes de superada esta condição, participar das decisões da empresa, resguardado apenas o direito de apuração de haveres." (Agravo de Instrumento n. 01.005677-1, de Blumenau, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, julgado em 09.12.02).
E mais:
"'Sociedade por quotas - Falecimento de sócio - Situação dos herdeiros.
'Se falece o sócio, a quota passa a seus herdeiros, ou aos seus legatários, mas isso não os torna automaticamente sócios. Os herdeiros e legatários só se tornam sócios se assim se dispôs no contrato social. Podendo até negar ao herdeiro a condição de sócio, podem os sócios convencionar o mesmo, isto é, facultar-lhe o ingresso na sociedade mas exigir que a opção seja manifestada em determinado prazo peremptório...'" (Des. Athos Gusmão Carneiro, acórdão unânime da 1ª Câmara Cível do TJRS, Apelação Cível n.º 39.867).
Dispõe a cláusula XIV da 9ª Alteração Contratual da sociedade sob comento que: "Em caso de falecimento, desaparecimento e interdição de qualquer sócio, a sociedade não se dissolverá, passando-se as cotas de cujos (sic) para seus herdeiros legais."
Vê-se que citada cláusula nada mais faz do que certificar a posse e o domínio dos sucessores sobre as cotas sociais, como parte integrante que são da herança, a qual passa de pleno direito aos herdeiros, com a abertura da sucessão. A propósito, comenta Carvalho Santos:
"A transmissão da propriedade e da posse não depende de nenhum ato praticado pelos herdeiros; independe de pedido de imissão de posse ao juiz competente; ela é imediata, desde o momento da abertura da sucessão, e se verifica de pleno direito, até mesmo sem nenhuma manifestação de vontade de sua parte e à sua revelia" (Código Civil brasileiro interpretado. 13. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988. p. 11).
É de se observar que a cláusula não confere aos herdeiros do sócio falecido o direito de ingressar, desde logo, na composição societária.
Tocante à disposição contratual de continuação da sociedade, esclarece Fran Martins:
"Será, portanto, no pacto social, ou em um aditivo a ele introduzido depois de constituída a sociedade, que os sócios estabelecerão que, falecendo um, os demais continuarão com a pessoa jurídica a fim de evitar a sua extinção. Nessa cláusula poderão os sócios convencionar que os herdeiros do sócio falecido poderão continuar na sociedade (Código Comercial, art. 308), mas ainda aqui necessário será que esses herdeiros manifestem, na época oportuna, o desejo de se tornarem sócios." (Curso de Direito Comercial, RJ: Forense, 2002, p. 221). Grifado.
Sobre o tema, comenta Murilo Zanetti Leal:
"No silêncio do contrato social, a sociedade limitada continua com os herdeiros do sócio falecido, se o quiserem, estando implícita a continuação por força do princípio da preservação da empresa, não se aplicando, regra-geral, o art. 335, IV, do Cco. Como herdeiros, passam a titularizar as quotas, condição que não se lhes pode negar à medida que é imposta pela sucessão hereditária, matéria cogente.
"Em princípio, se participarão ou não da sociedade ao lado dos consócios remanescentes é questão dependente do exame do contrato social." (A transferência involuntária de quotas nas sociedades limitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 56/57). Grifado.
Nos termos da alteração contratual, além de não haver expressa previsão para os sucessores do sócio falecido continuarem na sociedade, exige o parágrafo 2º da cláusula XVI, o consentimento do sócio remanescente de aceitar ou não um novo sócio.
Destarte, o só fato de o agravado ser herdeiro e inventariante do espólio de Eleotério Volpato, falecido sócio-gerente, não o torna sócio da empresa Irmãos Volpato Ltda. Ocorre que, se o agravado não ostenta a qualidade de sócio, não lhe poderia ser deferida a administração ou gerência da sociedade, conjuntamente com o agravante, sócio remanescente. Isso porque, o sócio-gerente da sociedade por cotas de responsabilidade limitada não pode ser pessoa estranha ao quadro societário, conforme infere-se do art. 13 do Decreto nº 3.708/19.
Acentua Rubens Requião que:
"A sociedade pode escolher, por diversos modos, o sócio-gerente. O que não pode é ser ele estranho à sociedade." (Curso de Direito Comercial, SP: Saraiva, 1995, p. 355).
Essa especificidade das sociedades por cotas deve ser levada em conta, sobretudo no caso em apreço, em que se verifica que o estatuto social adotou as características de uma sociedade de pessoas, atribuindo importância à pessoa dos sócios. Tal assertiva decorre da cláusula XVI, parágrafo 2º que reza: "Se não houver interesse do sócio remanescente em adquirir as cotas do sócio retirante, as mesmas poderão ser livremente transferidas a terceiros, mediante consentimento do sócio remanescente de aceitar ou não o novo sócio."
Mesmo o Novo Código Civil continuou dando importância a essa affectio societatis, pois, ao mesmo tempo que admite que um terceiro não sócio seja administrador da sociedade por cotas de responsabilidade limitada, exige que haja autorização expressa no contrato social (art. 1.061).
Por derradeiro, não fazendo o agravado parte do quadro societário, até mesmo porque o próprio admite a inexistência da affectio societatis, não sendo do interesse dos herdeiros participar da sociedade comercial e pretendendo, inclusive, a apuração de haveres (fl. 257), ausente está o fumus boni iuris, requisito indispensável para a concessão da medida cautelar.
Desta forma, deve ser revogada a liminar concedida, no sentido de permitir ao agravado administrar conjuntamente com o agravante a sociedade na qual era sócio-gerente o de cujus.

DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, dá-se provimento ao recurso, revogando-se a liminar concedida.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Pedro Manoel Abreu e Maria do Rocio Santa Ritta.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Dr. Anselmo Jerônimo de Oliveira.

Florianópolis, 07 de agosto de 2003.

Pedro Manoel Abreu
PRESIDENTE COM VOTO

Sérgio Roberto Baasch Luz
RELATOR

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