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CÓDIGO CIVIL INTERPRETADO

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Ação de alimentos aforada diretamente contra os avós ou concomitantemente com o genitor(art. 1.698, CC/2002 - sem correspondência no CC/1916). Interpretando o disposto no art. 1.698 do atual Código Civil e fundamentado nas lições de Maria Berenice Dias(Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 457-458) e Yussef Said Cahali(Dos alimentos. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 680), mais precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça, entendeu o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que nada impede de se aforar ação de alimentos diretamente contra a avó, ou mesmo, concomitantemente com o genitor, por constituir-se um litisconsórcio passivo facultativo sucessivo. Conforme, ainda, a lição de Maria Berenice Dias, ainda que não disponha o alimentando da prova da impossibilidade do pai, o uso da mesma demanda atende, ainda, ao princípio da economia processual. Somente na instrução é que cabe a prova da ausência de condições do genitor, pois só será reconhecida a responsabilidade dos avós se evidenciada a impossibilidade de o genitor adimplir a obrigação. Leia abaixo uma importante decisão que, sem sombra de dúvida, visa atender e a solucionar um dos múltiplos e corriqueiros problemas que surgiram com a evolução natural da sociedade.

Data: 09/03/2007 Acórdão: Apelação Cível n. 2005.025544-2, de Lages.
Relator: Des. Jorge Schaefer Martins.
Data da decisão: 03.08.2006.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 62, edição de 27.09.2006, p. 28.

EMENTA: AÇÃO DE ALIMENTOS INTENTADA CONTRA A AVÓ. INDEFERIMENTO DA INICIAL POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E COISA JULGADA. POSSIBILIDADE DOS AUTORES DEMONSTRAREM, NO DECORRER DO FEITO, A AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DO GENITOR PARA PROVER SEU SUSTENTO. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL EVIDENCIADA. INOCORRÊNCIA DE COISA JULGADA EM AÇÃO DE ALIMENTOS, PRINCIPALMENTE SE NÃO EXISTE NOTÍCIA DE QUE TENHA A AVÓ SIDO DEMANDADA EM OUTRA OPORTUNIDADE PARA PAGAMENTO DE TAL VERBA. PROVIMENTO DO RECURSO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2005.025544-2, da comarca de Lages (Vara da Família, Órfãos e Suc. Inf. Juventude), em que são apelantes L. R. M., M. C. R. M. e E. R. M., representados por I. R., sendo apelada M. L. P. de F:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade, dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.

I - RELATÓRIO:
L. R. M., M. C. R. M. e E. R. M., representados por I. R., intentaram ação de alimentos contra M. L. P. de F., argumentando que seu genitor, filho da ré, não vem cumprindo com a obrigação de prestar alimentos há 2 (dois) anos.
Afirmaram que a ré, na qualidade de avó paterna, pode responder de forma complementar pelos alimentos devidos por seu filho.
Por fim, pediram o pagamento de pensão complementar no percentual de 40% (quarenta por cento) de um salário mínimo, inclusive liminarmente.
Requereram a assistência judiciária gratuita.
Em interlocutória, a autoridade judicial de Primeira Instância esclareceu que não vislumbrava condições de prosseguimento do feito, tendo facultado, porém, aos autores, a produção de provas sobre a incapacidade do genitor em pagar os alimentos. Na mesma oportunidade, deferiu a gratuidade da justiça, determinando a intimação dos autores para se manifestarem.
Efetivada a manifestação, mantida a interlocutória, retornaram os autores aos autos buscando a fixação de alimentos provisórios, tendo o Dr. Juiz a quo determinado fosse dada vista dos autos ao Ministério Público que, por sua vez, opinou pela extinção do feito sem análise do mérito, ante a carência de ação dos autores.
Sentenciando, o togado monocrático indeferiu a inicial, por ausência das condições da ação, reconhecendo a ilegitimidade passiva da avó paterna, e, também, a ocorrência de coisa julgada. Finalmente, condenou os autores no pagamento das despesas processuais.
Houve a interposição de embargos declaratórios que foram acolhidos, para isentar os autores do pagamentos das despesas processuais.
Inconformado, apelaram os autores, sustentando o cabimento do pedido de alimentos em relação aos avós, no caso de impossibilidade de pagamento pelo genitor, além da não ocorrência de coisa julgada.
Ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Neste grau de jurisdição, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Tycho Brahe Fernandes, opinou pela reforma da sentença e retorno dos autos à origem para seu regular processamento.

II - VOTO:
Primeiramente, consigna-se que não existe irregularidade no fato de não ter sido citada a ré para que viesse aos autos para apresentar contra-razões, visto que houve o indeferimento da inicial em Primeira Instância antes de completada a angularização processual.
Sobre o assunto, escreve a doutrina:
Na redação anterior, havendo apelação da sentença de indeferimento da inicial, deveria ser citado o réu para, querendo, contra-arrazoar o recurso. Havia desperdício de tempo que onerava sobremaneira o réu, que tinha que ser representado por advogado em processo existente apenas entre o autor e o juiz, não lhe dizendo respeito. Pelo novo sistema o réu não é mais incomodado para responder a recurso inter alios, prosseguindo o processo, na fase recursal, apenas de forma angular (autor-juiz). Somente no caso de o recurso de apelação ser provido é que se procederá à citação do réu. Este, quando citado, terá direito à ampla defesa (CF 5º LV), podendo, inclusive, alegar a mesma matéria que teria sido a causa de indeferimento da inicial, mesmo depois de o tribunal a haver rejeitado, quando do provimento do apelo. A decisão do tribunal vincula o autor mas não atinge o réu, que ainda não fazia parte do processo. (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante: atualizado até 7 de julho de 2003. 7ª ed. rev. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 681)
Realmente, com o advento da Lei 8.952/94, essa passou a ser a dicção mais atualizada do disposto no art. 296, parágrafo único, do Código de Processo Civil, nestes termos:
Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito horas), reformar sua decisão.
Parágrafo único. Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente encaminhados ao tribunal competente.
A propósito, já decidiu esta Corte:
Embargos de declaração. Falência. Indeferimento da inicial. Envio dos autos ao Tribunal. Desnecessidade de intimação para contra-arrazoar. Inteligência do art. 296 do CPC. Omissão não verificada.
Na sistemática processual em vigor, indeferida a inicial, com a extinção in limine do processo, interposto recurso de apelação pela autora, é facultado ao julgador singular, no prazo de 48 horas, manter ou reformar a decisão. Mantida esta, os autos alçam imediatamente à instância ad quem, fazendo-se absolutamente dispensável a oportunização à requerida para a oferta de resposta, por não instaurada a angularização processual. Essa não oportunização, em sendo assim, não consagra qualquer omissão ou contradição e nem sequer cerceamento de defesa. (Embargos de declaração em apelação cível n. 2001.002551-0, de São José, Relator Des. Pedro Manoel Abreu, Segunda Câmara de Direito Comercial, julgados em 09/10/2003)
E, ainda:
AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPÓSITO.
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO AGRAVADO PARA RESPONDER AO RECURSO. DECISÃO ANTERIOR À CITAÇÃO. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 296 DO CPC.
Tratando-se de agravo de instrumento manejado contra decisões interlocutórias anteriores à citação, não é necessária a intimação da parte contrária, pois esta ainda não ingressou na relação processual. (Agravo de instrumento n. 99.014442-9, de São Bento do Sul, Relator Des. Silveira Lenzi, Terceira Câmara Civil, julgado em 21/12/1999)
O Superior Tribunal de Justiça não destoa:
RECURSO ESPECIAL - PROCESSO CIVIL - INDEFERIMENTO LIMINAR DE PETIÇÃO INICIAL - CITAÇÃO DO RÉU PARA CONTESTAR A APELAÇÃO INTERPOSTA - DESNECESSIDADE - ARTIGO 296, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - NOVO ENTENDIMENTO INTRODUZIDO PELA LEI N. 8.952/94 - RECURSO NÃO PROVIDO.
O parágrafo único do artigo 296 do estatuto processual civil, introduzido pela Lei n. 8.952/94, modificou o entendimento em relação à citação do réu para contestar a apelação interposta quando se tratar de indeferimento liminar da petição inicial. Deve prevalecer o entendimento segundo o qual não há obrigatoriedade de citação da parte contrária para contestar a apelação interposta contra decisão que indefere petição inicial.
Recurso especial não provido. (REsp 524069/SP, Relator Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, data do julgamento: 02/10/2003, data da publicação no DJ: 13.09.2004, p. 207)
Sendo assim, procede-se à análise do recurso interposto.
Compulsando-se os autos, percebe-se que o Dr. Tycho Brahe Fernandes, através do parecer acostado nas fls. 50-53, bem analisou a questão devolvida a esta Corte, merecendo transcrição os seguintes trechos de referida manifestação ministerial:
Totalmente sem razão o sentenciante quando afirma que "apesar da demora, vem (sic.) recebendo os valores devidos através de ações de execução, não podendo agora em ação autônoma ajuizar nova ação sem que se esgote a possibilidade de pagamento do devedor principal" (fl. 30).
Com a afirmação transcrita, vê-se que confunde, o togado a quo, alguns conceitos básicos relativos aos alimentos.
Uma das características mais importantes do dever alimentar consiste no fato dele ser obrigação divisível.
Com isso, é possível se estabelecer que diversos devedores sejam obrigados, por obrigações autônomas, as quais não se confundem, pelo contrário, se complementam.
Da inicial extrai-se que os apelantes, desde lá já, afirmavam que seu genitor não tinha condições de arcar com os alimentos que necessitam, tanto que postulam a fixação da obrigação pela avó paterna "enquanto subsistir a impossibilidade do genitor em cumprir com a sua obrigação" (fl. 4).
Com isso se pode aferir que a pretensão inicial não importava em tentativa de cobrar alimentos de devedor outro que não o obrigado, como entendeu o prolator da sentença, mas sim, em fixação de novo dever alimentar, o qual é meramente complementar ao dever dos pais.
Tal é plenamente possível, tanto que o artigo 1.698 do Código Civil estabelece que "Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide" (grifei).
Arnaldo Rizzardo (in Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 760-761) sustenta, com razão, que "A impossibilidade econômica do parente mais próximo, em grau, e não apenas em sua falta, faz surgir o direito de procurar junto ao seguinte".
Também assim a lição de Maria Berenice Dias (in Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 457-458) quando advoga que:
"A possibilidade de pleitear alimentos complementares a parente de outra classe, se o mais próximo não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, vem se consolidando em sede jurisprudencial, que passou a admitir a propositura de ação de alimentos contra avós. Para tal, basta a prova da incapacidade, ou a reduzida capacidade do genitor de cumprir com a obrigação em relação à prole. Também o reiterado inadimplemento autoriza, não a cobrança do débito de alimentos contra os avós, mas a propositura de ação de alimentos contra eles. São chamados para atender obrigação própria decorrente do vínculo de parentesco. Não cabe intentar contra os avós execução dos alimentos não pagos pelo genitor, o que seria impor a terceiro pagamento de dívida alheia.
É necessário, primeiro, buscar a obrigação alimentar do parente mais próximo. Nada impede, no entanto, intentar ação concomitante contra o pai e o avô. Constitui-se um litisconsórcio passivo facultativo sucessivo. Ainda que não disponha o autor da prova da impossibilidade do pai, o uso da mesma demanda atende ao princípio da economia processual. Na instrução é que cabe a prova da ausência de condições do genitor, pois só será reconhecida a responsabilidade dos avós se evidenciada a impossibilidade de o genitor adimplir a obrigação".
No caso em análise, integram o grau imediato, após os pais, sem margem de dúvida, os avós.
Dessa maneira, se a mãe "recebe apenas um salário mínimo mensal, que é insuficiente até mesmo para suprir as necessidades básicas de alimentação e vestuário" (fl. 3) e o pai se restringe a cumprir parcialmente com sua obrigação, isto somente quando forçado judicialmente a tanto, inegável que os apelantes podem demandar alimentos de seus avós.
De se notar que o processamento da ação de alimentos contra a avó paterna esta poderá aduzir, dentre outros argumentos, que o filho satisfaz integralmente os alimentos; que ela não tem condições econômicas; promover o chamamento ao processo dos demais obrigados de seu grau; porém, não se pode, de antemão, indeferir a petição inicial por ilegitimidade passiva da demanda, em especial quando a sentença que assim o fez expressamente reconhece que a dívida originária somente é satisfeita em execuções judiciais.
Acerca do tema importante a lição de Yussef Said Cahali (in Dos alimentos. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 680) quando assevera que:
"a questão pertinente à legitimidade passiva do avô para a ação alimentar não pode ser resolvida de plano, eis que atrelada à verificação do pressuposto da possibilidade econômica do genitor; assim, a questão atinente à ausência de prova inequívoca da incapacidade econômica do pai é matéria de mérito, devendo, pois, ser certificada durante instrução do processo, e não indeferida a pretensão initio litis; somente se ficar demonstrado no curso do processo que o autor pode ser sustentado pelo seu genitor é que seus avós serão excluídos da lide".
Registro que o STJ, nos autos de Recurso Especial n. 579.385-SP, que teve como relatora a Mina. Nancy Andrighi, em caso assemelhado decidiu que "A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos não é apenas sucessiva, mas também complementar, quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor".
No mesmo sentido, encontra-se ainda o Recurso Especial n. 119.336-SP, que teve como relator o Min. Ruy Rosado de Aguiar, do qual se extrai que "Os avós, tendo condições, podem ser chamados a complementar o pensionamento prestado pelo pai que não supre de modo satisfatório a necessidade dos alimentandos".
Por fim, traz-se o Recurso Especial n. 268.212, que teve como relator o Min. Ari Pargendler, cuja ementa enuncia que "O avô está obrigado a complementar os alimentos, sempre que as necessidades do menor não puderem ser integralmente satisfeitas pelos pais".
Dessa forma, neste aspecto, deve o apelo ser provido.
No tocante a questão da coisa julgada, também assiste razão aos apelantes.
Não se pode falar em coisa julgada, em sede de ação alimentos, relativamente a pretensão formulada contra o devedor outro que o principal.
Sem dúvida que não faria sentido os apelantes aforarem nova ação de alimentos contra o genitor, porém, se esse não está satisfazendo integralmente as necessidades dos filhos, por certo que eles podem demandar contra os demais obrigados, sem que se reconheça em detrimento dos credores de alimentos a coisa julgada, que não existe no caso.
Logo, também nesse aspecto com razão os apelantes, razão pela qual deverá o apelo ser conhecido e provido para, em se reformando a sentença extintiva do feito, determinar o seu regular processamento.
Acrescente-se que, em outras oportunidades, este Relator já reconheceu a legitimidade dos avôs para figurar no pólo passivo da obrigação alimentar, nos autos da apelação cível n. 2002.014990-5, de Criciúma, julgada pela Segunda Câmara Civil, em 12/09/2002.
No caso em apreço, a extinção do feito em seu nascedouro mostrou-se equivocada, como salientado no decorrer do parecer ministerial transcrito, visto que poderão surgir no decorrer da instrução processual elementos que demonstrem a necessidade de prestação de alimentos pela ré.
Nessa conformidade, impõe-se o provimento do apelo para anular a sentença e, em conseqüência, determinar o prosseguimento do feito em Primeira Instância, com a citação da parte demandada.

III - DECISÃO:
Ante o exposto, deu-se provimento ao recurso.
Participou do julgamento a Excelentíssima Desembargadora Marli Mosimann Vargas, emitindo parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Tycho Brahe Fernandes.

Florianópolis, 3 de agosto de 2006.

MAZONI FERREIRA
Presidente, com voto

JORGE SCHAEFER MARTINS
Relator


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