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CÓDIGO CIVIL INTERPRETADO

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A inserção de encargos reputados abusivos não enseja motivo para a rescisão do contrato de mútuo, uma vez que, em se tratando de pacto vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, pelo qual a quantia tomada junto ao banco serviu para subsidiar aquisição de imóvel perante terceiro não integrado à relação processual, incumbe à mutuária restituir o capital disponibilizado, com os acréscimos adequados, dado que a relação firmada não é de compra e venda, mas, de mútuo, onde "o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade", consoante disposição do art. 586 do CC/2002(equivalente ao art. 1.256 do CC/1916). Ademais, constituindo-se a obrigação da mutuária no adimplemento das prestações pactuadas, inadmissível compelir a credora a aceitar objeto diverso daquele avençado(dinheiro), mediante recebimento forçado do bem dado em garantia, dado que, nos termos do art. 313 do CC/2002(equivalente ao art. 863 do CC/1916), "o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa". Conheça o alcance prático de mais uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina frente as normas gerais e abastratas do Novo Código Civil, fazendo a leitura do v. acórdão abaixo transcrito, que, além de inúmeros precedentes jurisprudenciais, traz ainda a doutrina de Orlando Gomes e J. M. Carvalho Santos no que se refere ao contrato de mútuo.

Data: 05/03/2007 Acórdão: Apelação Cível n. 2003.027018-3, da Capital.
Relator: Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi.
Data da decisão: 17.08.2006.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - AJUSTE DE MÚTUO VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), DESTINADO A SUBSIDIAR A AQUISIÇÃO DE CASA PRÓPRIA PERANTE TERCEIRO - SENTENÇA JULGANDO IMPROCEDENTE O PEDIDO.
INSURGÊNCIA DA AUTORA - INVIABILIDADE DE RESCISÃO DA ESPÉCIE NEGOCIAL SUB JUDICE SOB O FUNDAMENTO DE EXCESSIVIDADE DOS ENCARGOS PACTUADOS - FINANCIAMENTO GARANTIDO POR HIPOTECA, PELO QUAL A CONSUMIDORA UTILIZA O CAPITAL MUTUADO PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL JUNTO A TERCEIRO NÃO INTEGRANTE DA RELAÇÃO PROCESSUAL - CONTRATO DE NATUREZA UNILATERAL, EM QUE A OBRIGAÇÃO DA MUTUANTE SE EXAURE PELA TRADIÇÃO DA QUANTIA FINANCIADA, OBRIGANDO-SE A MUTUÁRIA A RESTITUIR COISA DO MESMO GÊNERO, QUALIDADE E QUANTIDADE (ART. 586 DO CC/2002; ART. 1.256 DO CC/1916), INADMITINDO-SE COMPELIR A CREDORA A ACEITAR OBJETO DIVERSO DAQUELE AVENÇADO, MEDIANTE RECEBIMENTO FORÇADO DO BEM DADO EM GARANTIA (ART. 313 DO CC/2002; ART. 863 DO CC/1916) - SENTENÇA CONFIRMADA, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DO MANEJO DA AÇÃO PRÓPRIA, OBJETIVANDO A REVISÃO DOS ACESSÓRIOS REPUTADOS ABUSIVOS - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. O contrato de mútuo feneratício constitui empréstimo por intermédio do qual o mutuário se obriga a restituir ao mutuante, na mesma espécie e quantidade, o capital emprestado (Código Civil, arts. 1.256/1.264). 2. Dessa forma, uma vez cumprida pelo mutuante a sua obrigação contratual, consistente na entrega da coisa fungível (dinheiro), resta apenas ao mutuário proceder à restituição, não podendo exigir a rescisão contratual, com a devolução, pelo mutuante, das prestações adimplidas, pois a obrigação contratual deste se encontra exaurida. (TRF-1ªR., AC 01062564-DF, DJU 04/03/2002, p. 152).


Vistos, relatados e discutidos estes autos da apelação cível n. 2003.027018-3, da Comarca da Capital (4ª Vara Cível), em que é apelante Luciani Salcedo de Oliveira Malater e apelado BESC S.A. Crédito Imobiliário:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Custas na forma da lei.

I - Relatório
Na comarca da Capital (SC), Luciani Salcedo de Oliveira Malater ajuizou ação de rescisão contratual c/c restituição de parcelas pagas em face de BESC S.A. - Crédito Imobiliário, narrando que as partes entabularam, na data de 31.03.1997, ajuste de financiamento vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, no importe de R$ 35.696,00, cujo resgate dar-se-ia em 240 prestações mensais, reajustadas pelo Plano de Comprometimento de Renda (PCR), ao passo que o saldo devedor da avença seria atualizado pela variação mensal dos fatores destinados à correção dos saldos de depósito em caderneta de poupança.
Entretanto, frente à excessiva onerosidade dos encargos pactuados, a mutuária postulou a rescisão do ajuste, diante da cobrança de acessórios abusivos nas prestações do financiamento da casa própria.
Citada, a instituição financeira contestou o feito (fls. 42/49) alegando, preliminarmente: a) a necessidade de chamamento ao processo da Caixa Econômica Federal, com o deslocamento do feito para a competência da Justiça Federal; b) a inépcia da inicial e ilegitimidade passiva, uma vez que o pedido é juridicamente impossível e a demandada não pode figurar como sujeito passivo da relação processual pois participa, exclusivamente, como agente financeiro. No mérito a ré aduziu: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) a inviabilidade da rescisão contratual, providência cabível, somente, quando demonstrada a inadimplência de uma das partes; 3) a legitimidade das cláusulas consoante originalmente firmadas.
Após réplica (fls. 69/74), sobreveio sentença (fls. 77/86) que rejeitando as preliminares argüidas na contestação, julgou improcedente o pedido exordial, declarando extinto o processo, com base no art. 269, I, do CPC, condenando, ainda, a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes, fixados em 15% sobre o valor da causa.
Irresignada, a tempo e modo, a mutuária apelou (fls. 91/95), sustentando a viabilidade de rescisão do pacto frente à excessiva onerosidade dos encargos pactuados nas prestações do financiamento da casa própria - dentre os quais a utilização da TR para correção do saldo devedor - bem como por não possuir mais interesse em manter o contrato sub judice, porquanto existe fato permitindo e justificando a resolução do ajuste.
Transcorrido in albis o prazo para apresentação de contra-razões (fl. 99), os autos ascenderam a este egrégio Tribunal.

É o relatório.

II - Voto
O recurso deve ser conhecido e desprovido.
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido em ação de rescisão de contrato de mútuo, garantido por hipoteca e vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH.
Na espécie, os litigantes ajustaram a celebração de mútuo, visando a aquisição de casa própria pela autora junto a terceiro, disponibilizando a instituição financeira o importe de R$ 35.696,00, a serem quitados pela mutuária em 240 prestações mensais.
A requerente pleiteou a rescisão do contrato, com a devolução das parcelas pagas, afirmando a existência de desequilíbrio econômico no instrumento negocial, porquanto utilizada a TR como fator de reajuste do saldo devedor, enquanto deveria ser observado o Plano de Comprometimento de Renda - PCR.
Entretanto, no caso concreto, a inserção de encargos reputados abusivos no ajuste não enseja motivo para a rescisão do contrato, uma vez que, em se tratando de pacto vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, pelo qual a quantia tomada junto ao banco serviu para subsidiar aquisição de imóvel perante terceiro não integrado à relação processual sub judice, incumbe à mutuária restituir o capital disponibilizado, com os acréscimos adequados, dado que a relação firmada entre a autora e a casa bancária não é de compra e venda, mas, frise-se, de mútuo, onde "o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade", consoante disposição do art. 586 do CC/2002 (equivalente ao art. 1.256 do CC/1916).
A respeito do contrato de mútuo, leciona Orlando Gomes:
É o empréstimo o contrato em que uma das partes recebe, para uso ou utilização, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou dar outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Há duas espécies de empréstimo: a) comodato; b) mútuo. (...). O mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta a outra coisa fungível, tendo a outra a obrigação de restituir igual quantidade de bens do mesmo gênero e qualidade (...). (Contratos. Ed. Forense, 25ª ed.; São Paulo. p. 314/319).
Na mesma direção, ensina J. M. Carvalho Santos:
O mútuo pode ser definido como o contrato por meio do qual um dos contratantes dá e transfere a propriedade duma quantia em dinheiro, ou de uma certa quantidade de outras coisas fungíveis, ao outro contratante, que se obriga a restituir outra semelhante ou equivalente. (Código Civil Brasileiro Interpretado. Ed. Livraria Freitas Bastos S.A., 10ª ed.; Rio de Janeiro, 1977. p. 430).
Portanto, tem-se que a instituição financeira exauriu sua obrigação, consistente na entrega da coisa fungível (dinheiro), não havendo falar em rescisão do contrato e restituição das parcelas pagas, sendo inaplicável, no caso, o art. 53 do CDC, o qual dispõe:
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
Na hipótese vertente, não se admite a possibilidade de retomada do imóvel pelo agente financeiro, dado que o bem foi adquirido perante terceiro, cabendo ao banco, ante o descumprimento do ajuste, postular a satisfação do saldo devedor, mediante execução da garantia.
Disso resulta que a obrigação da mutuária é de pagar ao banco o que dele recebeu, com os encargos do gênero, mormente porque o objeto disponibilizado ao consumidor não foi o imóvel em si, mas moeda corrente em quantia necessária para a aquisição do bem junto a terceiro, incumbindo-lhe suportar as prestações avençadas, a tempo e modo.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:
MÚTUO FENERATÍCIO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). PEDIDO TENDENTE À RESCISÃO CONTRATUAL COM A DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS. 1. O contrato de mútuo feneratício constitui empréstimo por intermédio do qual o mutuário se obriga a restituir ao mutuante, na mesma espécie e quantidade, o capital emprestado (Código Civil, arts. 1.256/1.264). 2. Dessa forma, uma vez cumprida pelo mutuante a sua obrigação contratual, consistente na entrega da coisa fungível (dinheiro), resta apenas ao mutuário proceder à restituição, não podendo exigir a rescisão contratual, com a devolução, pelo mutuante, das prestações adimplidas, pois a obrigação contratual deste se encontra exaurida. Precedentes desta Corte e dos Tribunais Federais da 4ª e da 5ª Regiões. 3. Apelação improvida. (TRF 01ª R.; AC 01062564; DF; Terceira Turma Suplementar; Rel. Juiz Conv. Leão Aparecido Alves; Julg. 07/11/2001; DJU 04/03/2002; Pág. 152).
No mesmo passo:
CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. MÚTUO HIPOTECÁRIO. RESCISÃO CONTRATUAL. ENTREGA DO IMÓVEL. DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS. INCABIMENTO. No contrato de mútuo habitacional, regido pelo SFH, a obrigação do agente financeiro exaure-se na entrega do capital para o financiamento do imóvel, enquanto a obrigação do mutuário reside no pagamento do empréstimo pelo adimplemento das prestações do financiamento, que tem como garantia do débito o imóvel hipotecado. Incabimento do pedido de rescisão contratual cumulado com restituição de 50% das parcelas pagas e devolução do imóvel. (TRF 05ª R.; AC 257197; Proc. 200105000229423; PB; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Ridalvo Costa; Julg. 11/09/2003; DJU 19/11/2003).
Ainda:
SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DA CLÁUSULA CONTRATUAL. RESCISÃO CONTRATUAL. 1. O descumprimento da cláusula contratual que prevê o reajuste das prestações do contrato de mútuo pelo critério do PES, não autoriza a rescisão contratual com a devolução do imóvel ao mutuante. É que nos contratos de mútuo, o mutuário se obriga a devolver coisa do mesmo gênero, não podendo o credor ser obrigado a receber coisa diversa, sob pena de ficar caracterizada a dação em pagamento e não rescisão de contrato. (TRF 04ª R.; AC 9104184351; SC; Quarta Turma; Rel. Juiz Joel Ilan Paciornik; Julg. 04/08/1998; DJU 02/09/1998; Pág. 315)
Vale destacar, constituindo-se a obrigação da mutuária no adimplemento das prestações pactuadas, inadmissível compelir a credora a aceitar objeto diverso daquele avençado (dinheiro), mediante recebimento forçado do bem dado em garantia, dado que, nos termos do art. 313 do CC/2002 (equivalente ao art. 863 do CC/1916), "o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa".
Nesse sentido:
SFH. RESCISÃO DO CONTRATO DE MÚTUO. DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL. REPETIÇÃO DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. Em contrato de mútuo firmado no âmbito do sistema financeiro de habitação, não se pode obrigar o mutuante a receber o imóvel hipotecado, mediante restituição dos valores pagos. (TRF 04ª R.; AC 473804; Proc. 200072000010450; SC; Terceira Turma; Rel. Juiz Francisco Donizete Gomes; Julg. 30/04/2002; DJU 29/05/2002).
E:
SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. RESCISÃO. CONTRATO DE MÚTUO. 1. Improcede pedido de rescisão do contrato de mútuo por infringência a cláusula da equivalência salarial. 2. O mutuante cumpre sua obrigação com a entrega do bem fungível. 3. Impossibilidade de o mutuário devolver coisa diversa daquela que contratou. Obriga-se a restituir coisa do mesmo gênero, quantidade e qualidade (art. 1256, segunda parte, do Código Civil). 4. Apelação a que se nega provimento. (TRF 04ª R.; AC 9104041305; SC; Primeira Turma; Relª Juíza Ellen Gracie Northfleet; Julg. 30/06/1994; DJU 03/08/1994; Pág. 41173)
Assim, no caso em exame, é inviável acolher-se a pretensa rescisão do ajuste, com a restituição de parcelas pagas, ressalvada a possibilidade de a mutuária buscar, em ação própria, a revisão dos encargos financeiros que entender abusivos, matéria essa, a propósito, que não se constitui em objeto da presente demanda, motivo pelo qual é vedado o balizamento do ajuste, ex officio, pelo juízo ad quem, das cláusulas contratuais.
Diante do exposto, o recurso deve ser desprovido, mantendo-se a sentença que julgou improcedente o pedido.

III - Decisão
Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Victor José Sebem Ferreira e Newton Janke.

Florianópolis, 17 de agosto de 2006.

Marco Aurélio Gastaldi Buzzi
Presidente e Relator

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