Dissolvido o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel por motivo alheio a vontade das partes, após consulta de viabilidade junto à administração municipal, em que pese a intermediação efetuada pelo corretor, deixa de fazer jus a percepção da comissão de corretagem previamente ajustada, tendo em vista que a compra e venda não se realizou por total ausência de culpa dos contratantes, sempre interessados na concretização do negócio. Se a compra e venda não se torna perfectível por motivo de força maior, não há que se falar em arrependimento dos contratantes, inexistindo, por conseguinte, obrigação de pagamento da comissão de corretagem, segundo interpretação sistemática dos art. 393 e 725, ambos do Novo Código Civil. Consigne-se, ainda, que o risco é da própria essência dos contratos de corretagem, que não consagram simples obrigação de meio, mas sim obrigação de resultado. Confira abaixo o v. acórdão prolatado pela Primeira Câmara de Direito Civil do TJSC e da lavra do eminente e culto Desembargador Joel Dias Figueira Júnior, que colaciona a doutrina de MÁRIO LUIZ DELGADO RÉGIS e MARIA HELENA DINIZ, além de precedentes jurisprudenciais do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Data: 29/09/2006
Acórdão: Apelação Cível n. 2005.034141-3, da Capital.
Relator: Des. Joel Dias Figueira Júnior.
Data da decisão: 11.07.2006.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA DE COMISSÃO DE CORRETAGEM - CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - NEGÓCIO INTERMEDIADO POR CORRETOR - DISSOLUÇÃO DO CONTRATO POR MOTIVO ALHEIO A VONTADE DAS PARTES - MOTIVO DE FORÇA MAIOR IMPOSSIBILITANDO ATINGIR O RESULTADO PRETENDIDO - EXEGESE DOS ARTIGOS 393 C/C ART. 725, AMBOS DO CC/02 - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO
I - Dissolvido o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel por motivo alheio a vontade das partes, após consulta de viabilidade junto à administração municipal, em que pese a intermediação efetuada pelo corretor, deixa de fazer jus a percepção da comissão de corretagem previamente ajustada, tendo em vista que a compra e venda não se realizou por total ausência de culpa dos contratantes, sempre interessados na concretização do negócio.
II - Se a compra e venda não se torna perfectível por motivo de força maior, não há que se falar em arrependimento dos contratantes, inexistindo, por conseguinte, obrigação de pagamento da comissão de corretagem, segundo interpretação sistemática dos art. 393 e 725, ambos do novo Código Civil.
III - Ademais, o risco é da própria essência dos contratos de corretagem, que não consagram simples obrigação de meio, mas sim obrigação de resultado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 2005.034141-3, da Comarca da Capital (6ª Vara Cível), em que são apelantes e apelados Laura Ferreira Cardoso, Geraldo Rufino Cardoso e Taylor Pigatto:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Tailor Pigatto ajuizou ação de cobrança contra Laura Ferrreira Cardoso e Geraldo Rufino Cardoso pelos fatos e fundamentos jurídicos descritos na exordial de fls. 02/06, alegando, em síntese, que:
1. É corretor de imóveis devidamente inscrito no CRECI matrícula sob nº 8441/SC;
2. No mês de janeiro de 2001 foi contratado pelos Réus para proceder à venda de um terreno descrito às fls. 16;
3. Para a realização da transação comercial buscou junto à Prefeitura Municipal de Florianópolis, SUSP, IPUF, DER e Registro de Imóveis a .viabilidade do imóvel;
4. Encontrou um comprador interessado na aquisição do terreno, tendo realizado com sucesso o fechamento do negócio conforme comprova o contrato de compromisso de compra e venda em anexo;
5. O imóvel foi negociado por R$ 350.000,00, sendo a comissão do autor estipulada conforme a Tabela de Honorários do Sindicato dos Corretores de Imóveis de Santa Catarina, qual seja, 6%, totalizando R$ 21.000,00;
6. Após 18 meses os Requeridos desfizeram o negócio; porém, o trabalho de corretagem foi devidamente realizado, sendo, portanto, devido o referido valor.
Ao final, requer a procedência do pedido para condenar os Réus a pagarem a comissão no montante de R$ 21.000,00, bem como a arcar com os ônus da sucumbência.
À causa foi atribuído o valor de R$ 21.000,00 e a inicial veio instruída com os documentos de fls. 07/22.
Regulamente citados, os Réus oferecerem resposta em forma de contestação (fls. 38/43), aduzindo, em síntese:
1. Ter sido a compra e venda desfeita sem culpa dos Demandados, em razão de existir um projeto do Município de Florianópolis para desapropriar boa parte do imóvel;
2. O Autor induziu-os a erro, pois confeccionou de forma errônea um croqui, obtendo a viabilidade do desmembramento do terreno e da construção, não traduziam a realidade da área objeto da aquisição;
3. O serviço de corretagem consiste em concretizar o negócio e não apenas intermediar as negociações;
4. Não é justa a cobrança da comissão, pois os Requeridos não obtiveram o recebimento do preço ajustado no contrato de promessa de compra e venda;
Houve réplica (fls. 65/68).
Sentenciando, a Magistrada Substituta julgou o pedido parcialmente procedente a fim de condenar os Demandados ao pagamento de R$ 10.500,00 (dez mil e quinhentos reais), equivalente a 3% sobre o valor do contrato de promessa compra e venda, devidamente corrigido, bem como aos ônus da sucumbência, com fulcro no art. 21 do CPC (fls. 74/83).
Inconformadas, as partes interpuseram recurso de apelação.
Os Requeridos (fls. 87/91) repisam as matérias contidas na peça contestatória, acrescentando, ainda, que receberam apenas R$ 17.500,00 a título de arras pelo desfazimento do negócio e postulam pela improcedência do pedido formulado na inicial ou, sucessivamente, que o percentual incida apenas sobre as arras percebidas.
Intimado o Autor deixou o prazo para apresentar contra-razões transcorrer in albis (fls. 95).
Por sua vez, objetiva o autor (fls. 96/100) reformar a sentença a fim de que a condenação dos réus esteja baseada no percentual previamente ajustado (6%) e que incida sobre o valor total do contrato.
O recurso do autor foi declarado deserto (fls. 103/104).
Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso interposto pelos Réus.
É o relatório.
II -VOTO:
A sentença impugnada proferida pela MM. Juíza Substituta Bianca Fernandes Figueiredo merece ser integralmente reformada, pelos seguintes motivos, se não vejamos.
É fato incontroverso nestes autos que os Réus firmaram proposta de compra do imóvel descrito na inicial, na qualidade de vendedores, com o corretor imobiliário, datado de 30 de março de 2001, segundo se infere do documento de fls. 8 e que, após a consecução dos trabalhos de mediação, o Autor obteve a formalização de um compromisso de compra e venda entre aqueles e Jackson Empreendimentos Ltda, em 12 de abril do mesmo ano (fls. 16/19).
Igualmente incontroverso é o fato de que em 7 de outubro de 2002, os promitentes compradores e vendedores (ora réus) firmaram distrato diante da impossibilidade de concretização do negócio, em virtude Ter sido editado pelo Poder Executivo Municipal de Florianópolis decreto expropriatório para fins de utilidade pública do imóvel prometido à venda (doc. fls. 20/21).
Também é fato incontroverso, porquanto aceito pelo Autor (fls. 65/68) que o negócio previamente entabulado foi desfeito porque o IPUF indeferiu o desmembramento da área objeto da transação.
Portanto, não há que se falar em arrependimento (ato voluntário) das partes acerca da compra e venda, mas de força maior impeditiva da realização do negócio pretendido, ficando patente de toda a prova documental produzida a intenção dos promitentes compradores e vendedores em concluir o negócio já iniciado, inclusive com a prestação de arras, que foram perdidas em favor do promitente vendedor.
Dispõe o art. 393 do Código Civil que "o devedor não responde pelos resultados de caso fortuito ou força maior, se expressamente nãos e houve por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuiuto ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos defeitos não era possível evitar ou impedir."
Sobre o tema, colhe-se da doutrina de MÁRIO LUIZ DELGADO RÉGIS: "... A força maior, tomando por empréstimo a definição de Huc, seria ´o fato de terceiro, que criou, para execução da obrigação, um obstáculo,que a boa vontade do devedor não pôde vencer`(Commentaire Théorique et pratique du Code Civil, v. 7, p. 143)." (Novo Código Civil Comentado. Obra coletiva, Coordenação de Ricardo Fiuza. São Paulo: Saraiva, 5a ed., 2006, art. 393, p. 309).
Por sua vez, MARIA HELENA DINIZ aponta como sendo um dos modos terminativos (extintivos) do contrato de corretagem a "... impossibilidade de sua realização devido a força maior ou caso fortuito." (Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol. 3. São Paulo: Saraiva. 5. ed., 2003, p. 400).
O contrato de corretagem aparece regulado no novo Código Civil, artigos 722 usque 729, sendo que a lide pendente enquadra-se para resolução na disposição insculpida no art. 725, in verbis: "A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes."
No caso em exame, tem-se como certo que: a) não se verificou arrependimento das partes; b) não ocorreu a compra e venda do imóvel, que se torna perfeita e acabada com o registro do título translativo (escritura pública de compra e venda) no Registro de Imóveis (art. 1.245 CC); c) por conseguinte, o resultado previsto no contrato de corretagem não foi atingido; e, finalmente d) o negócio preliminar foi desfeito por motivo de força maior.
Nos dizeres precisos de MARIA HELENA DINIZ, "o objeto do contrato de corretagem ou de mediação não é propriamente o serviço prestado pelo corretor, mas o resultado desse serviço. Daí ser uma obrigação de resultado e não de meio. A obrigação do corretor, não sendo de resultado, somente produzirá efeitos em relação ao comitente (proprietário do bem ou cliente), no instante em que o acordo para o negócio se efetivar, em razão da intermediação realizada. Logo, infere-se daí que pouco importará a dedicação e o trabalho do corretor.
" Corretor vende o resultado útil do seu trabalho, de modo que se seu labor tornar-se inútil não haverá que se falar em qualquer remuneração, pois receberá a comissão não em virtude do serviço prestado, mas em razão do resultado obtido. Daí as certeiras palavras de Bolaffio: ´o mediador é um locador de trabalho, que vende o efeito útil de seu serviço; e de Franchi: ´o mediador loca a quem se vale dos seus serviços não o trabalho, mas o seu produto útil.`" (Ob. cit pp. 381/382).
Outra não é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
"O serviço de corretagem somente se tem como aperfeiçoado quando o negócio imobiliário se concretiza, posto que o risco é da sua essência..." (4a T, Resp 317.503/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. 7.6.01).
Colhe-se ainda da mesma Corte de Justiça que o contrato de corretagem não traz em seu bojo obrigação de meio, mas sim uma obrigação de resultado (STJ 4a T, EDResp 126.587/SP, Rel. Min. Asfor Rocha, j. 8.5.01), razão pela qual o pagamento pela intermediação do corretor somente torna-se devida com a concretização do negócio desejado (STJ 3a T, Resp 278.028/PE, Rel. Min. Fátima Andrighi, j. 19.12.00).
Ora, se o objeto da corretagem é o resultado do serviço e, considerando-se que, no caso vertente as partes deixaram de consumar o negócio por motivos alheios a sua vontade (o que não se confunde com arrependimento), a conclusão acerca do descabimento da comissão de corretagem é manifesta e claramente lógica.
Por esses motivos, merece ser provido o recurso interposto pelos Réus, reformando-se integralmente a sentença objurgada, com a conseqüente condenação do Autor/recorrido na verba sucumbencial.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decidiu a Primeira Câmara de Direito Civil, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, condenando-se o Recorrido nas despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00, com fulcro no art. 20, § 4o do CPC.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores Maria do Rocio Luz Santa Ritta e Jaime Luiz Vicari.
Florianópolis, 11 de julho de 2006
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
PRESIDENTE COM VOTO
Joel Dias Figueira Júnior
RELATOR