Cristiano Imhof

CÓDIGO CIVIL INTERPRETADO

Cristiano Imhof tooltip

Precisa de ajuda?

Ligue +55 47 3361-6454

contato@booklaw.com.br

Jurisreferência™

O Ministério Público tem legitimidade para intervir no regular funcionamento da fundação, quando houver reclamos dos interessados e, ainda, quanto tornar-se "ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação"(art. 69, CC/2002), podendo, até mesmo, promover sua extinção. Conheça um pouco mais sobre 'Fundações', fazendo a leitura do acórdão abaixo reproduzido, que debate, ainda, os arts. 62, 65 e 66 do Novo Código Civil.

Data: 14/09/2006 Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2003.020769-4, de Mafra.
Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros.
Data da decisão: 01.12.2003.

EMENTA: ADMINISTRATIVO - ENSINO SUPERIOR - FUNDAÇÃO EDUCACIONAL - COMPETÊNCIA - JUSTIÇA ESTADUAL - DIRETOR-PRESIDENTE - EXONERAÇÃO POR MEIO DE DECRETO EMANADO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL - ILEGALIDADE - FUMUS BONI IUIRIS E PERICULUM IN MORA CONFIGURADOS - RECURSO DESPROVIDO
1. Nos termos do art. 17 da Lei n. 9.394/96 e do art. 11 da Lei Complementar Estadual n. 170/98, as entidades educacionais de nível superior, criadas ou mantidas pelo Poder Público municipal ou estadual, estão compreendidas no sistema estadual de ensino.
No caso, a instituição educacional Fundação Universidade do Contestado - UnC, campus de Mafra, está subordinada à fiscalização do Conselho Estadual de Educação do Estado de Santa Catarina, exsurgindo daí a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito em que essa entidade seja parte.
Demais, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou que "compete aos Estados-membros e ao Distrito Federal organizar seus sistemas administrativos de ensino, sendo o sistema federal meramente supletivo" (RE 95.722-7/SP, Min. Moreira Alves). Em conseqüência, a competência para o processamento e julgamento de ações, inclusive o mandado de segurança, versando sobre ato administrativo-educacional, é da Justiça Estadual.
2. Presentes nos autos elementos que configuram a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora em favor do impetrante, a manutenção da segurança concedida liminarmente se impõe.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2003.020769-4, da Comarca de Mafra, em que é agravante o Prefeito Municipal de Mafra e agravado José Nelson Notari:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.

RELATÓRIO:
José Nelson Notari, impetrou Mandado de Segurança com pedido de liminar contra o Prefeito Municipal de Mafra, pretendendo a sua reintegração ao cargo de Diretor Presidente da Fundação Universidade do Contestado - UnC/ Mafra.
A liminar foi deferida nos seguintes termos:
"Destarte, com base no art. 7, II da Lei n. 1533/51, DEFIRO A LIMINAR, para assegurar o direito ao impetrante de continuar exercendo normalmente o seu mandato até o julgamento definitivo deste writ e, por via de conseqüência, suspendo os efeitos do Decreto de exoneração nº 2.798, de 19.08.03" (fl. 177).
Irresignado com a decisão, o Prefeito Municipal de Mafra, na pessoa do Senhor Carlos Roberto Scholze, interpôs o presente agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, afirmando, para tanto, que o agravado não cumpriu com as promessas e encargos, vindo a causar o descontentamento geral na comunidade acadêmica da instituição que preside, e efetuou manobras de retaliação contra os que se insurgiram à sua administração. Também alegou que foi convocada assembléia geral para discutir as irregularidades da administração do agravado, em que foi decidida a realização de plebiscito, que, por sua vez, revelou o posicionamento da maioria da comunidade acadêmica no sentido do afastamento do agravado, feito realizado pelo agravante por meio do Decreto n. 2.798, de 19.8.2003. Asseverou, ainda, que a fundamentação do referido ato baseia-se no descumprimento de preceitos legais pelo agravado e no fato de que, como a nomeação para o cargo foi ato discricionário do Chefe do Executivo Municipal (escolha por meio de lista tríplice), é perfeitamente legal a sua exoneração a qualquer tempo, com base nos critérios de oportunidade e conveniência.
A tutela antecipada recursal foi negada, por entender o eminente Desembargador relator, Doutor Nilton Macedo Machado, "em que pese a nomeação do cargo de diretor-presidente dar-se por intermédio de escolha do Prefeito Municipal dentre lista tríplice elaborada pela Assembléia Geral, a forma de exoneração antes da extinção do mandato, não regulada no estatuto, deverá observar, no mínimo, o direito de defesa, com recurso, ao impetrado"; e que "não está demonstrado risco de dano irreparável que eventual demora no julgamento do recurso possa causar ao agravante, porquanto, se tão temerário se mostrasse a presença do agravado no atual cargo, seguramente o Ministério Público , curador das fundações, teria intervindo no caso" (fl. 406).
Devidamente intimado, o recorrido deixou de apresentar contra-razões ao pleito.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Doutor Antônio Gercino Medeiros, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso.

VOTO:

1. Primeiramente, cumpre ressaltar a competência da Justiça Estadual para processar e julgar os feitos relativos ao sistema de ensino estadual, que inclui todas as Fundações educacionais instituídas pelo Poder Público.
Está previsto na Constituição Federal que "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino" (art. 211), reverenciando o princípio federativo que atribui a cada ente federativo competência para organizar seu sistema de ensino, desde que respeitada a lei de diretrizes e bases (BASTOS. Celso Ribeira. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 8. p. 609).
Sobre isso, no corpo do acórdão do Recurso Extraordinário n. 86.192/PR, com relatoria do Ministro Moreira Alves, que somente não foi conhecido por não ter sido demonstrada a divergência jurisprudencial, destaca-se importante manifestação da Procuradoria-Geral da República:
"A Constituição Federal atribui aos Estados a organização de seus sistemas de ensino, deferindo à União a organização do sistema federal apenas em caráter supletivo e nos estritos limites das deficiências locais (art. 177). Em conseqüência, a organização do ensino superior é da competência originária do Estado, não tendo sentido aludir à Delegação da União.
Se os estabelecimentos estaduais de ensino superior apenas exercem funções delegadas do próprio Estado-membro, a quem a Constituição Federal atribuiu poderes para organizar o sistema de ensino no âmbito de seu território, é evidente que à Justiça estadual compete o processo e julgamento dos mandados de segurança impetrados contra atos dos diretores desses estabelecimentos".
Também é a Lei de Diretrizes e Bases que define o sistema de ensino, no caso, a Lei n. 9.394/96 que, nos arts. 16 e 17, estabelece:
"Art. 16. O sistema federal de ensino compreende:
I - as instituições de ensino mantidas pela União;
II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada;
III - os órgãos federais de educação.
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem:
I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;
II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal;
III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada;
IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente.
Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino". (não grifado no original)
Em Santa Catarina, o "Conselho Estadual da Educação" foi instituído pela Lei Complementar n. 170, de 7.8.1998, que, no tocante às questões em comento, assim, dispõe:
"Art. 11. O Sistema Estadual de Educação compreende:
I - as instituições de educação, de todos os níveis e modalidades, criadas e mantidas pelo Poder Público estadual;
II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pelo Poder Público municipal;
[...]".
Segundo certidão expedida pelo Conselho Estadual de Educação do Estado de Santa Catarina, a instituição educacional Fundação Universidade do Contestado - UnC está subordinada à fiscalização desse órgão estadual, exsurgindo daí a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o presente feito.
Demais disso, além do excerto antes citado, o Supremo Tribunal, embora se referindo à Constituição de 1967, já sustentou "que compete aos Estados-membros e ao Distrito Federal organizar seus sistemas administrativos de ensino, sendo o sistema federal meramente supletivo" (RE n. 95.722/SP, Min. Moreira Alves). Em conseqüência, a competência para o processamento e julgamento de ações - inclusive mandado de segurança - versando sobre ato administrativo-educacional é da Justiça Estadual.
Assim, é de ser firmada a competência deste Órgão Jurisdicional para o julgamento da matéria objeto do presente agravo.

2. Passa-se à análise do acerto ou desacerto da decisão que deferiu a segurança liminarmente para garantir ao Diretor-Presidente da Fundação Universidade do Contestado - UnC, Campus de Mafra, o direito de continuar exercendo seu mandato até julgamento definitivo do mandamus impetrado.
Pela percuciência e judiciosidade dos argumentos e por concordar inteiramente com eles, transcrevo trecho do despacho proferido pelo eminente Desembargador Nilton Macedo Machado, proferido nos presentes autos com o intuito de negar o efeito suspensivo almejado pelo recurso:
"Um dos princípios básicos dos estatutos das fundações é o caráter de obrigatoriedade de suas cláusulas, vinculando seus integrantes. Ensina Maria Helena Diniz que o estatuto 'Tem força de lei por ser a lex privata da fundação e por isso requer sua observância. Vincula a todos quaisquer que sejam os fatos supervenientes ou circunstanciais à sua execução.' (Direito fundacional. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998, p. 32)
Em sendo omisso, aplicar-se-ão, subsidiariamente, as normas legais pertinentes.' (ob. Cit., p.32).
Ora, prescreve o art. 65, caput, do Código Civil de 2002 que 'Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz' e, caso não seja elaborado no prazo de 180 dias, esta incumbência será entregue ao Ministério Público, curador das fundações por expressa disposição legal (art. 66, caput, CC/2002) e defensor 'da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis' (CRFB/88, art. 127, caput, 2ª parte).
Assim, percebe-se claramente a legitimidade do Ministério Público para intervir do regular funcionamento da fundação, quando houver reclamos dos interessados e, ainda, quanto tornar-se 'ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação' (art. 69, CC/2002), podendo até mesmo promover sua extinção.
Disto denota-se a importância na elaboração do estatuto, porque é a Lei que rege a fundação em suas relações internas (quanto aos integrantes) e externas (quanto a terceiros), sempre com vistas à aplicação subsidiária da Lei Civil (no caso em apreço) para suprimir lacunas estatutárias, a fim de que não se desvirtue da finalidade para a qual foi instituída.
No caso em análise, observa-se que o estatuto da Fundação Universidade do Contestado - campus de Mafra, é omisso no que se refere à antecipação do término do mandato conferido ao diretor presidente, estabelecendo apenas a forma de ingresso. Igualmente omisso é o estatuto da Fundação Universidade do Contestado e seu Regimento Interno, aplicados subsidiariamente ao campus de Mafra, por força do artigo 38 (fl. 90 - TJSC).
Neste contexto, o próprio agravante reconhece diversas 'falhas' no estatuto (TJSC - fl. 5), inclusive a apontada nesta decisão e, mesmo assim, decidiu exonerar o diretor-presidente do cargo ocupado na fundação (antes de retificar o estatuto) e por ele nomeado após receber lista tríplice, porquanto esta decisão esteou-se em deliberação da Assembléia Geral que precedeu plebiscito entre os universitários.
Contudo, é inquestionável o ato administrativo que culminou com a exoneração do impetrado sem assegurar-lhe defesa, ou seja, em manifesta afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa assegurado a todos 'os litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral' (CRFB/88, art. 5º, LV), porquanto seu cargo não é equiparado aos comissionados subordinados ao Prefeito Municipal para serem demissíveis ad nutum.
Registre-se que inexiste relação funcional de confiança entre nomeado (agravado) e nomeante (agravante) que pudesse ensejar a desinvestidura no cargo de diretor presidente, conforme ocorre nos chamados cargos em comissão.
Acerca disto, valiosa a lição de Hely Lopes Meirelles:
'Observe-se, por fim, que a exigência de prévia aprovação em concurso é para os cargos de provimento efetivo, ou seja, não temporário, não condicionado a uma relação de confiança entre o nomeado e seus superiores hierárquicos. Daí por que é dispensada para o preenchimento dos cargos declarados em lei de provimento em comissão, cuja principal característica é a confiabilidade que devem merecer seus ocupantes, por isso mesmo nomeáveis e exoneráveis livremente (CF, art. 37, II), e destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V) [Direito administrativo brasileiro. 27 ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2002, p. 412].
Adiante, ao discorrer sobre as formas de desinvestidura de cargo ou emprego público, assinala: 'A desinvestidura de cargo pode ocorrer por demissão, exoneração ou dispensa. Demissão é punição por falta grave. Exoneração é desinvestidura: a) a pedido do interessado - neste caso, desde que não esteja sendo processado judicial ou administrativamente; b) de ofício, livremente (ad nutum), nos cargos em comissão; c) motivada (...)' (ob. Cit., p. 413) [grifo inexistente no original]
Assim, em que pese a nomeação ao cargo de diretor-presidente dar-se por intermédio de escolha do Prefeito Municipal dentre lista tríplice elaborada pela Assembléia Geral, a forma de exoneração antes da extinção do mandato, não regulada no estatuto, deverá observar, no mínimo, o direito de defesa, com recurso, ao impetrado" (fl. 406).
Diante do exposto, conclui-se que o posicionamento da comunidade acadêmica, obtido por meio de plebiscito, que veio a fundamentar o Decreto exoneratório emanado do Chefe do Poder Executivo Municipal, jamais poderia se sobrepor ao direito constitucional do impetrado de ver as supostas irregularidades de sua gestão apuradas por meio de procedimento administrativo, em que fossem respeitados princípios constitucionais como o do devido processo legal e da ampla defesa.

3. As demais questões postas em discussão confundem-se com o mérito da causa e devem, portanto, ser analisadas em momento processual oportuno, visto que o agravo de instrumento "está limitado ao exame do acerto ou desacerto da decisão recorrida" (AI n. 96.002953-2, Des. Pedro Manoel Abreu), sob pena de suprimir uma instância, conforme entendimento do saudoso Desembargador Eder Graf, expresso no Agravo de Instrumento n. 1999.017438-7:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - DISCUSSÃO DE QUESTÕES RELATIVAS AO MERITUM CAUSAE - INADMISSIBILIDADE
Em sede de agravo de instrumento só se discute o acerto ou desacerto do ato judicial hostilizado, não sendo viável o exame aprofundado de temas relativos ao meritum causae".

4. Presentes os requisitos autorizadores da medida liminar atacada - fumus boni iuris, caracterizado pelo desrespeito aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa; e periculum in mora, caso não fosse deferida a liminar no mandado de segurança preventivo o impetrante seria exonerado - , nos termos do r. despacho que indeferiu o efeito suspensivo, nego provimento ao recurso.

DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Newton Trisotto e Sônia Maria Schmitz.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Excelentíssimo Senhor Doutor Antônio Gercino Medeiros.

Florianópolis, 1 de dezembro de 2003.

Newton Trisotto
PRESIDENTE COM VOTO

Luiz Cézar Medeiros
RELATOR

Imprimir
Ir ao topo

Aplicativos Móveis

Adquira uma assinatura de acesso digital e tenha acesso aos aplicativos para tablets e smartphones, com conteúdo completo.

CONHEÇA TAMBÉM



Todos os direitos reservados. Proibida a cópia total ou parcial deste conteúdo.