Aplicando o art. 1.208 do Novo Código Civil, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, através sua Primeira Câmara de Direito Civil, entendeu que a simples autorização concedida pela construtora, permitindo a utilização de área remanescente do empreendimento pelos condôminos de um edifício residencial, não configura o exercício do poder fático sócio-econômico sobre o imóvel sub judice, ou seja, atos de mera permissão não induzem a posse e, por conseguinte, o manejo de demanda interdital por manifesta carência de ação por ilegitimidade ativa ad causam. Leia o respectivo acórdão abaixo transcrito e conheça um pouco mais sobre o art. 1.208 do atual Código Civil.
Data: 19/07/2006
Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2005.006702-9, da Capital.
Relator: Des. Joel Figueira Júnior.
Data da decisão: 31.01.2006.
Publicação: DJSC n. 11.847, edição de 17.02.2006, p. 16.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERDITO PROIBITÓRIO. ATOS DE MERA PERMISSÃO. POSSE NÃO CONFIGURADA. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM CARACTERIZADA. PROCESSO EXTINTO, DE OFÍCIO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO (ART. 267, VI, do CPC).
A simples autorização concedida pela construtora permitindo a utilização de área remanescente do empreendimento pelos condôminos de um edifício residencial não configura o exercício do poder fático sócio-econômico sobre o imóvel sub judice.
Atos de mera permissão não induzem a posse e, por conseguinte, o manejo de demanda interdital por manifesta carência de ação (ilegitimidade ativa ad causam).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 2005.006702-9, da Comarca da Capital (1.ª Vara Cível), em que é Agravante Condomínio Residencial Armasol e Agravado Espaço Aberto Engenharia Ltda.:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e, de ofício, declarar extinto o processo sem julgamento do mérito, com fulcro no artigo 267, VI, do CPC.
Custas na forma da Lei.
I -RELATÓRIO:
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Condomínio Residencial Armasol contra Construtora Espaço Aberto Ltda., objetivando, em síntese, a reforma da decisão que, nos autos da ação de interdito proibitório, indeferiu o pedido liminar, fundada em ausência provas dos requisitos insculpidos no artigo 932 do CPC.
Afirma o Agravante que há mais de dez anos ocupa o imóvel litigioso, exercendo posse mansa e pacífica sobre a área onde o Recorrido pretende edificar outros blocos de apartamento, realizando trabalhos periódicos de jardinagem, construção de garagens e outras benfeitorias.
Aduz que o Agravado, em seus contatos telefônicos, vem ameaçando verbalmente a síndica do condomínio, afirmando que dará prosseguimento à obra de edificação dos demais seis blocos previstos no projeto original.
Postula a modificação da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito de primeira instância, com o conseqüente deferimento da liminar postulada.
Em decisão monocrática (fls. 55/57), o MM. Juiz Substituto de 2º Grau, Jânio Machado, negou o efeito ativo postulado, em face da ausência dos requisitos previstos no art. 558 do CPC.
O Agravado apresentou contra-minuta (fls. 65/91), aduzindo, em síntese, que os condôminos possuíam pleno conhecimento da edificação dos demais blocos residenciais ao adquirirem seus imóveis, conforme indicam as atas de assembléia de fls. 175/188. Ademais, a ocupação exercida pelo Agravante sobre a área remanescente do bem sub judice deu-se à título de mera permissão.
Requer a manutenção da decisão proferida pelo juiz a quo.
Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso.
É o relatório.
II -VOTO:
Objetiva o Agravante a modificação da decisão proferida em primeiro grau a fim de obter o deferimento da liminar postulada e impedir a edificação dos demais blocos de apartamentos conforme projeto original do condomínio.
De início, observa-se que a questão em apreço restringe-se à analise da presença dos requisitos insculpidos no artigo 932 do Código de Processo Civil, com o seguinte teor:
"O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito".
Ocorre que os Recorrentes não exerceram posse sobre o imóvel litigioso, posto que ocupam a área litigiosa a título de mera permissão.
Analisando os documentos trazidos à colação, em especial o registro de fls. 110/115, verifica-se que a matrícula do imóvel já previa, desde 1995, a edificação de oito blocos de apartamentos, não havendo modificações no projeto original após a construção dos dois blocos.
Ao longo dos dez anos que permearam a alienação do imóvel aos primeiros adquirentes e a decisão da construtora em prosseguir na conclusão do projeto, o Agravante passou a utilizar a área destinada à edificação dos demais blocos de apartamento, mediante permissão da construtora.
Nesse sentido, a testemunha arrolada pelo Recorrente, Norton Dri, afirma expressamente que:
"(...) verbalmente os incorporadores do condomínio consentiram que os condôminos exercessem posse e usassem as áreas não edificadas do condomínio, que apesar da empresa não impedir o uso pelos condôminos das benfeitorias por eles construídas na parte não edificada do terreno, a síndica recebeu um telefonema em que lhe era comunicado que tais benfeitorias seriam demolidas" (fl. 19). (grifei)
O depoimento da testemunha é claro ao confirmar a existência de permissão tácita à utilização, pelos condôminos, das áreas não edificadas pelo Agravado. Ressalta-se que o depoente tem conhecimento da situação do condomínio, tendo em vista que já atuou como síndico, conforme indica a ata de assembléia de fls. 184.
Salienta-se que atos de permissão não induzem a posse dos ocupantes do imóvel, conforme prevê o artigo 1.208 do novo Código Civil, in verbis:
"Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência, ou a clandestinidade."
A permissão à utilização do bem deriva de um espírito de condescendência, de relação de boa vizinhança, caracterizados, via de regra, pelos elementos da transitoriedade e passividade.
A respeito do tema, já me manifestei em sede doutrinária no seguinte sentido:
"Os atos e circunstâncias descritas no artigo 1.208 do CC são do tipo que não conferem efeitos possessórios, tendo em vista que a manifestaçao de ingerência sobre determinado bem da vida é insuficiente para a configuração da relação factual potestativa em questão. Por conseguinte, os sujeiros que se enquadram nessas hipóteses impeditivas à aquisição da posse (atos de simples permissão o tolerância, violência ou clandestinidade enquanto não cessados) não são considerados titulares do poder fático (possuidores). A norma estatuída fundamenta-se na garantia dos direitos do possuidor que tolera ou permite certos atos praticados por outrem (atividade social, econômica e/ou produtiva), em seu próprio prejuízo, no uso ou gozo da coisa, assim procedendo com o objetivo exclusivo de favorecer a convivência social, especialmente as relações de vizinhança. (in Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva. 3. Ed. p. 1.109)
Via de conseqüência, configurada a permissão para a utilização do imóvel pelo Recorrido, incabível a propositura de ação interdital objetivando a defesa da posse, porquanto não atendidos os requisitos previstos no artigo 932 do CPC, sendo manifesta a ilegitimidade ativa ad causam do Recorrente.
A esse respeito, colhe-se da jurisprudência do nosso Tribunal o seguinte:
"CIVIL - AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE - POSSE A TÍTULO PRECÁRIO - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA INVIÁVEL - RECURSO DESPROVIDO
1. A posse resultante de contrato de locação, permissão ou mera tolerância, é sempre a título precário pois o locatário, o permissionário ou aquele de quem se tolera esses atos, sabe de antemão que poderá perdê-la a qualquer momento, pois o titular do direito a suporta sem dele abrir mão.
2. Inviável o manejo da ação de manutenção de posse para perpetuar contrato de locação ou a permissão de utilização de imóvel, ou ainda, para legitimar prescrição aquisitiva inocorrente.
3. "Ademais, o fato de, a partir de certo momento, não terem sido mais cobrados alugueres, nem se movido ação de despejo, pode ser entendido como mera liberalidade ou tolerância, preceitos que abrangem a precariedade, e que, segundo mandamento expresso da lei civil (CC, art. 497), não induzem a posse". (AC n. 97.012810-0, de Criciúma, Rel.: Des. Orli Rodrigues)" (AC n. 00.020677-6, de Araranguá, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 01.03.2001)
Tendo em vista que a matéria afeta às condições da ação pode ser analisadas pelo julgador, ex officio, a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme exegese do artigo 267, § 3º, do CPC, faz-se mister a extinção do processo, sem julgamento do mérito.
Diante do exposto, declara-se, de ofício, o autor carecedor de ação em face da ilegitimidade ativa ad causam, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do CPC.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, declara-se de ofício o Autor/Agravante carecedor de ação e, por conseguinte, extinto o processo, sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC.
Condena-se o Recorrente ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 500,00, com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC.
Participou do julgamento a Exma. Desª. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 31 de janeiro de 2006.
Sérgio Roberto Baash Luz
PRESIDENTE P/ O ACÓRDÃO
Joel Dias Figueira Júnior
RELATOR