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CÓDIGO CIVIL INTERPRETADO

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A morte é o termo inicial da sucessão hereditária. Antes disso, em face do ordenamento jurídico, há vedação abstrata ao exercício de pretensões sucessórias(art. 426 c/c o art. 1.784, ambos do Código Civil de 2002). A recente decisão monocrática abaixo enfrentou essa questão e sua leitura, diante da fundamentação que encerra, torna-se, sem sombra de dúvida, muito oportuna.

Data: 15/05/2006

Decisão Monocrática: Apelação Cível - 2004.011909-7/0000-00, de Blumenau.
Relator: Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Data da decisão: 17.01.2006.
Publicação: DJSC n. 11.828, edição de 23.01.2006, pp. 69/70.

Apelantes : Arnoldo Ronaldo Dittrich e outro
Advogado: Ézio Ferraz de Almeida
Apeladas : Marilena de Salles Dittrich e outros
Advogada : Rosane Magaly Martins

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação cível interposta por Arnaldo Ronaldo Dittrich e outros contra a sentença do Dr. Juiz de Direito da 3a Vara Cível da Comarca de Blumenau que, em ação declaratória de nulidade de transações imobiliárias proposta em face de Marilena de Salles Dittrich e outros, entendendo que "falece aos autores interesse e legitimidade para pleitear a pretensão exposta na inicial", extinguiu o processo sem julgamento de mérito, aniquilando, com isso, a medida cautelar que lhe era incidental.
Ambicionam os autores, em sede de recurso, ver acolhido o pleito deduzido na exordial, de invalidação de negociações envolvendo bens sobre os quais, consignam, terão direitos sucessórios futuros. Como fundamento à pretensão, historiam que são netos de Adelgunde Odebrecht, mãe de Ronaldo e Reginaldo Dittrich. Afirmam-se filhos do primeiro, ao passo em que os réus o são do segundo, ambos falecidos. Narram que, anos atrás, a anciã Adelgunde, viva até os tempos de hoje, transferiu disponibilidades financeiras ao filho Reginaldo, a fim de que as administrasse.
Este, contudo, subverteu o destino do dinheiro, adquirindo bens mas, em lugar de averbá-los em nome da mãe, registrando-os em nome próprio e permitindo que se sucedessem aos filhos/réus.
Com isso os autores, cujo pai é falecido, ficarão prejudicados na futura sucessão hereditária da avó, em benefício apenas dos primos/réus.
Visam, nestes termos, a invalidação dos negócios, por vícios nos atos translativos, buscando legitimação numa suposta "expectativa de direito" à sucessão da avó (cf. fls. 05/07).

É o relatório.

À míngua de condição da ação (art. 267, VI, CPC), matéria cognoscível ex officio em qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de forma monocrática, nos julgamentos recursais, o apelo improcede. Com efeito. A morte é o termo inicial da sucessão hereditária. Antes disso, em face do ordenamento jurídico, há vedação abstrata ao exercício de pretensões sucessórias (combinação dos arts. 1.784 e 426 do CC/02), incidindo óbice formal sobre o objeto imediato do pedido de sorte a impedir o desenvolvimento da relação processual rumo à tutela jurisdicional de mérito.
À guisa de ilustração: A possibilidade jurídica traduz "a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação. Esse requisito, de tal sorte, consiste na prévia verificação que incumbe ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em vigor. (...) A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor. Assim, um caso de impossibilidade jurídica do pedido poderia ser encontrado nos dispositivos legais que vedam a ação investigatória de paternidade adulterina, na constância do casamento do genitor adúltero (lei 883, de 21.10.49). Outros casos similares são os da ação de acidentes de trabalho, antes que se discuta a questão na esfera administrativa e os de ação em torno de herança de pessoa viva.
Em todos esses exemplos, a lei não permite que a lide acaso existente entre as partes seja trazida a juízo; daí a impossibilidade jurídica de qualquer pedido que tenha por fim instaurar processo para resolver semelhantes litígios". (Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 19. Ed.)
Com essa impossibilidade processual coexiste, como consectário, a carência de legitimidade ativa. É que, enquanto em vida, compete exclusivamente à avó dos autores, Adelgunde Odebrecht, contestar a legitimidade dos registros dos bens em nome do filho falecido (Reginaldo) e, por extensão, das transações que lhes forem subseqüentes.
Conforme bem anotado pela Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da
Dra. Gladys Afonso, "eventual apropriação pelos requeridos de bens e valores pertencentes à Sra. Adelgunde, somente por esta poderá ser impugnada, visto que assiste a ela o direito de buscar judicialmente a nulidade da procuração outorgada por seu filho à neta Josiane dos atos subseqüentes efetuados por meio desta, como forma de assegurar a devolução dos bens que lhe competem".
Inviável a substituição buscada.
Sobre o assunto, mutatis mutandis: "PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE ATIVA. CORREÇÃO. PETIÇÃO INICIAL. DESCABIMENTO. HIPÓTESE DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL NÃO PREVISTA. O reconhecimento da ilegitimidade ativa não pode ser concebido como simples erro na petição inicial, passível de correção. Iniciado o processo sob uma titularidade, a alteração no pólo ativo, por meio de emenda, corresponderia a uma substituição processual, mormente quando é determinada após a citação, hipótese expressamente vedada, salvo exceções não presentes no caso, a teor do artigo 264 do Código de Processo Civil. Recurso provido" (REsp 758622/RJ, Rel. Min.
Castro Filho).
Disso resulta que a demanda, qual proposta, não pode subsistir. Na verdade, a resolução do problema, não se tratando de partilha em vida, supõe o uso das vias franqueadas pelo direito sucessório, em que os netos, sendo todos da mesma classe, concorrerão por cabeça à sucessão da avó (cf. Sílvio de Salvo Venosa. Direito das Sucessões. São Paulo: Atlas, 2003). Assim, falecida a avó Adelgunde, os autores/netos, provando a transferência de patrimônio ao tio, e posteriormente aos primos, sem que tenha havido contraprestação pecuniária, têm no instituto da colação, em tese, a prerrogativa de ver igualado o quinhão hereditário. Na ocasião, se for o caso, e se não houver patrimônio suficiente a sopesar-se numa futura adjudicação de bens aos herdeiros, poderão ser sobrepartilhados aqueles adquiridos com os recursos desviados, em espécie ou no eqüivalente, conforme deles disponham ou não os beneficiários (art. 2003 do CC/02). Como observa Washington de Barros Monteiro, em passagem análoga, "Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós, serão obrigados a trazer à colação, ainda que o não hajam herdado, o que os pais teriam de conferir" (Curso de Direito Civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 1.983, pág. 325). Também Silvio Venosa, em trechos igualmente análogos, observa que "Quando os pais dão determinada soma aos descendentes para que estes adquiram um bem, um imóvel, por exemplo, deve ser trazido à colação o valor atualizado", sendo que, "se só concorrerem netos a uma herança (sucessão por cabeça), descendentes do mesmo grau", haverá, por conseguinte, o "dever de colacionar" (Ob. cit. págs. 365, 366 e 370). De toda sorte, as particularidades dessa sucessão devem embater-se oportunamente.
Por fim, relativamente à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, a dificuldade econômica alegada no recurso é contornada pelos arts. 11, §2o e 12 da Lei 1.060/50. É que, concedido o benefício, como no caso, os efeitos da condenação ficam sobrestados, extinguindo-se em cinco anos caso mantida a situação.

Isto posto, com base no art. 267, VI, do CPC, nega-se seguimento ao recurso, na forma monocrática a que alude o art. 557, caput, do aludido CPC.
Expeçam-se ofícios ao 1o e 3o Ofícios de Registro de Imóveis da Comarca de Blumenau, a fim de que, cassada a liminar, sejam levantadas as restrições judiciais gravadas nos bens matriculados sob os ns. 14993, 31540 e 1042 (cf. fl. 182).
I-se.

Florianópolis, 17 de janeiro de 2006.

Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Relatora

 


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