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CÓDIGO CIVIL INTERPRETADO

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Interpretando o art. 744 do atual Código Civil(sem correspondente no Diploma Substantivo revogado), o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina entendeu que "a emissão do conhecimento de frete, recebidas as mercadorias, consiste em obrigação do transportador". Conheça um pouco mais do Novo Código Civil fazendo a leitura do acórdão abaixo transcrito, envolvendo, ainda, transporte marítimo internacional e preenchimento errôneo do bill of lading.

Data: 10/05/2006 Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2004.020723-9, de Içara.
Relator: Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Data da decisão: 26.04.2005.
Publicação: DJSC n. 11.671, edição de 18.05.05, p. 15.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL. EXPORTAÇÃO DE REVESTIMENTOS CERÂMICOS. PREENCHIMENTO ERRÔNEO DO BILL OF LADING PELA TRANSPORTADORA. EQUÍVOCO NA DESTINAÇÃO DO PRODUTO. CIRCUNSTÂNCIA NÃO IMPUTÁVEL, NUM JUÍZO SUMÁRIO, À EXPORTADORA/REMETENTE. REDIRECIONAMENTO DAS MERCADORIAS. CUSTOS ADICIONAIS. EMISSÃO DE CONHECIMENTO DE FRETE CORRETIVO. PRESSUPOSTO PARA A RETIRADA DOS PRODUTOS NO DESTINO. IMPOSSIBILIDADE. CASUÍSITICA DE CONDICIONÁ-LO AO PAGAMENTO DO ACRÉSCIMO PELA REMETENTE/EXPORTADORA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 749 DO CC/02. PROBABILIDADE DO DIREITO AFERIDA. RETENÇÃO DAS MERCADORIAS. GRAVAMES À CONCORDATÁRIA. PERICULUM IN MORA PRESENTE. INCIDÊNCIA DO ART. 273 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
A emissão do conhecimento de frete, recebidas as mercadorias, consiste em obrigação do transportador (art. 744, CC/02). Tal documento inclina-se, a um só tempo, a individualizar os produtos transportados, consubstanciar a obrigação de translação e permitir, uma vez entregue ao remetente e repassado ao destinatário, o recebimento no local de destino (cf. Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 617). Havendo erronia no respectivo preenchimento, não imponível, em investigação sumária, ao remetente/exportador (parecendo ter-se ocasionado ou pelo própria transportadora ou por agenciador de fretes), e destinadas as mercadorias para local insólito, com posterior retificação do curso, não é lícito reclamar do remetente os custos adicionais daí decorrentes. Cabe à transportadora, mormente quando a retenção dos produtos no destino implicar turbações que resplandeçam (periculum in mora), emitir conhecimento corretivo, permitindo-lhes a retirada pelo destinatário, e discutindo, após isso, se for o caso, eventual responsabilidade contra quem de direito.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 2004.020723-9, de Içara, em que é agravante Vectra Revestimentos Cerâmicos Ltda., sendo agravados Mares Logística Internacional e Hamburg Süd:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso.
Custas de lei.

I - RELATÓRIO:
Tratam os autos de agravo de instrumento interposto por Vectra Revestimentos Cerâmicos Ltda. contra a decisão do Dr. Juiz de Direito da Comarca de Içara que, em "ação declaratória de descumprimento de obrigações decorrentes de contrato de transporte com pedido de tutela antecipada" aforada em face de Mares Logística Internacional e Hamburg Süd, indeferiu provimento liminar no sentido de impor à ré "Hamburg Süd que se abstenha de qualquer ato comercial que venha a prejudicar os interesses comerciais da autora Vectra, bem como que faça carta de correção do B/L e envie para a autora, tomando todas as medidas necessárias para que a mercadoria seja entregue à cliente Decor tão logo chegue ao destino, ou seja, ao Porto de Kingstown, St. Vincent, sem qualquer custo adicional ao contratado, tanto para a autora como para a cliente".
Como razões para a reforma, relata a recorrente, repristinando a narrativa exordial, que é sociedade empresária cujo objeto consiste na industrialização e comercialização de artefatos cerâmicos. No exercício dessas atividades, recentemente exportou, por via marítima, para a sociedade Decor Products, com sede em Kingstown, St. Vincent, uma série de produtos, contratando os serviços da despachante Ocean Trade para o trabalho de desembaraço aduaneiro. No transcurso da operação, a despachante Ocean Trade enviou o espelho do B/L (rascunho do conhecimento de embarque) à ré Mares Ltda., agenciadora de fretes, informando a razão da sociedade importadora (Decor Products) e o local a que os produtos deveriam ser remetidos (Porto de Kingstown, St. Vincent, Antilhas). Ainda no séqüito da exportação, a Mares Ltda., por sua vez, em posse do espelho do B/L, repassou-o à transportadora Hamburg Süd, que imprimiu o B/L definitivo após o embarque das mercadorias, exigindo o valor de R$ 867, 41. Ocorre, prossegue relatando, que o tal B/L foi imprimido equivocamente, constando-lhe como destinatário o porto de Kingston, Jamaica, local para onde os produtos exportados foram transportados, e fazendo menção ao frete pre paid, em lugar de collect.
Historia, assim, em decorrência da destinação errônea das mercadorias, que foi mister redirecioná-las ao Porto de Kingstown, St. Vincent, manobra que acarretou custos adicionais, passando o preço do frete de US$ 2.200,00, aceitos pelo importador num primeiro momento, para US$ 11.798,00. À vista destes custos, a transportadora Hamburg Süd reluta liberar o documento corretivo do B/L, retendo, assim, as respectivas mercadorias até que seja paga a diferença, e cobrando-a inclusive do importador, o qual, indignado, já entrou em contato telefônico com a autora bradando que lançaria as mercadorias ao mar.
Fundada na fragilização das relações comerciais com o importador, no atraso ocasionado à entrega das mercadorias, em relação ao prazo avençado com o cliente, e nos custos que fecundam diariamente da retenção dos produtos no porto, reitera o pleito de antecipação de tutela.
O pedido de efeito suspensivo, julgado como antecipação dos efeitos da tutela recursal pelo despacho de fls. 70/71, foi deferido pelo Des. Silveira Lenzi, determinando-se "à segunda agravada que providencie o envio da carta de correção do B/L à recorrente, devendo providenciar, ainda, a liberação da mercadoria retida no porto de Kingstown, St. Vincent".
Vieram os autos conclusos.

II - VOTO:
Relativamente à parte inicial do requerimento liminar, inclinada a que a "Hamburg Süd que se abstenha de qualquer ato comercial que venha a prejudicar os interesses comerciais da autora Vectra", não é preciso, a pretexto de negá-la, ir além do fundamento adotado pelo magistrado a quo: "De início, verifica-se que a indeterminação e a desmesurada abrangência da primeira parte das providências requeridas à fl. 07 revelam a impossibilidade de deferimento da medida naquela parte". Eventual ato concreto, não relacionado à operação em foco, e que lhe venha a pespegar lesividade, pode ser denunciado e contido ou reprimido em tempo, por pedido certo (atacando um determinado ato), fundado numa causa de pedir a que seja ínsita alguma concretude.
Exame perfunctório dos autos, em retrospecção à operação narrada e circunstanciadamente transcrita no relatório, realmente denota que a exportadora Vectra Revestimentos Cerâmicos Ltda., por meio dos serviços de despacho aduaneiro desempenhados pela Ocean Trade, disponibilizou à Mares Ltda. as informações corretas em torno do destinatário dos produtos, precisando-lhe o nome (Decor Products) e a sede (St. Vincent) - anexos 1/3, fls. 26/31.
Em igual sentido, a troca de correspondências virtuais realizada entre Caroline Mendes, do Departamento de Exportação da Vectra Ltda., e Juliana Hernandes, do Departamento Operacional da Mares Ltda., exprimindo as oblações e tratativas prévias à formalização do agenciamento (fls. "proposta para a prestação de serviços de transporte internacional"), aludem todas ao porto de Kingstown, nas Antilhas (fls. 43/44). Tal porto, embora praticamente homônimo, distingue-se do de Kingston, localizado na Jamaica.
Sem embargo, o conhecimento do frete (B/L - Bill of Lading), emitido pela transportadora Hamburg Süd com base nas informações ministradas pela Mares Ltda. e contatos realizados exclusivamente com ela (fls. 44/46), encerra como destino o porto de Kingston (fl. 33), local a que os produtos exportados foram remetidos num primeiro momento. Constatado o lapso, adotaram-se as medidas corretivas do itinerário (fl. 53), remetendo-se as mercadorias para o destino esmerado, o que, óbvio, engendrou custos adicionais.
Como relutando exportadora e importadora em pagar tais custos, significativos para uma concordatária e, ademais disso, afrontosos para a destinatária, que a eles não anuiu, a transportadora Hamburg Süd não emite o documento de correção do B/L, pressuposto para a retirada das mercadorias (cf. Arnaldo Rizzardo, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 621).
Num juízo verticalmente sumário, baseado, é verdade, em provas produzidas de forma unilateral, similar conjuntura não parece comportar a responsabilização da exportadora por estes custos adicionais. Procurando serviços de transporte marítimo internacional, viu-se ela instada a contatar com uma empresa que intermediasse seus contatos com o transportador. Passou-lhe as informações adequadas quanto ao destinatário e a respectiva sede, esperando que, feito o embarque, as mercadorias lhe fossem remetidas com esmero. Fê-lo justamente para exonerar-se, tanto quanto possível, das atividades operacionais de exportação, cuja tarefa passou a exercer-se pela Mares Ltda..
A partir daí, ao que parece, os contatos entre a Mares Ltda. e o transportador refugiram-lhe à esfera de atuação. Se houve equívoco no repasse de informações pela agenciadora ou na respectiva apreensão pelo transportador, não se lhe pode, por certo, atribuir qualquer responsabilidade pelo evento, conforme intuído do art. 749 do CC/02, dispositivo segundo o qual, "Até a entrega da coisa, pode o remetente desistir do transporte e pedi-la de volta, ou ordenar seja entregue a outro destinatário, pagando, em ambos os casos, os acréscimos de despesa decorrentes de contra-ordem, mais as perdas e danos que houver". Ora, o dispositivo impõe à remetente o dever de pagar os custos adicionais quando empreenda ela opção pela mudança de destinatário. No caso, contudo, fácil é perceber que o destinatário sempre foi o mesmo. A mudança no itinerário não se deu a pedidos da remetente, que sempre apontou o porto de Kingstown como sendo o destino, senão em virtude de equívoco não relacionado a sua atuação. Essa particularidade parece eximi-la do pagamento do adicional.
Verdade que o exercício do contraditório e a oitiva das partes adversas, com as razões que lhes justificam a conduta, pode enriquecer as informações em torno da atuação de um e outro dos envolvidos, ilustrando-as com maior exatidão, mas isso é o que transparece num primeiro momento.
Tampouco, por outro lado, e com maior razão, parece lídimo imputar a obrigação ao importador. O pagamento do frete é de sua responsabilidade sempre que a ele aquiescer (Arnaldo Rizzardo. Ob. Cit. pág. 617). Ocorre que o excedente ao valor anuído não pode ser exigido do destinatário, mormente quando o acréscimo visivelmente lhe não é atribuível.
Mais apropriado, num primeiro momento, entender que os custos adicionais devam suportar-se por uma ou outra das agravadas/rés. À Mares por ter repassado equivocadamente os dados da operação, ou à própria Hamburg Süd, por tê-los mal compreendido. Tal discussão, contudo, deve dar-se sem prejuízo da liberação da carga, desonerando os que não lhe dizem respeito.
Não fora isso, mesmo desconsiderando tais assertivas e não descartando a responsabilização da Vectra, a emissão do B/L corretivo, com a liberação da carga, é, in casu, a medida que denota maior razoabilidade. A discussão sobre a possibilidade ou não de se imputar à autora o pagamento do adicional vai 'render pano para a manga', tanto mais quando o procedimento, na origem, sequer foi replicado. Mantê-las fora de circulação até o exaurimento da dissensão implicaria, a um só tempo, avolumar os gastos com o armazenamento, abrir margem a eventuais danificações aos próprios revestimentos cerâmicos e, ainda, obstruir futuras exportações por parte da concordatária. Que se libere a carga, e depois discuta-se, tranqüilamente, se há débito, quem deve e quanto deve, mormente na ausência de inequívoca irreversibilidade. Tal solução, frise-se, parece mais razoável que a alvitrada pelo magistrado a quo, segundo a qual "nada impediria a autora", concordatária e cujo direito desvela-se plausível, "de efetuar o pagamento exigido e, posteriormente, postular a sua devolução, demonstrando o seu interesse em procedimento revestido do contraditório".
Por fim o perigo da demora, habilmente neutralizado pelo despacho de fls. 70/71, residia não apenas no enfraquecimento das relações comerciais entre a sociedade concordatária e empresa estrangeira, importadora dos produtos cerâmicos, senão nos custos, não comprovados mas críveis, que a remanência das mercadorias retidas no local de destino poderiam ocasionar, e nas restrições que a pendência da operação arrastaria a futuras exportações.

Isto posto, presentes, em parte, os pressupostos cumulativos do art. 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e perigo da demora), o voto é pelo provimento parcial do recurso, confirmando a liminar deferida monocraticamente pelo d. Des. Silveira Lenzi, e, de conseguinte, impondo "à segunda agravada que providencie o envio da carta de correção do B/L à recorrente, devendo providenciar, ainda, a liberação da mercadoria retida no porto de Kingstown, St. Vincent".

III - DECISÃO:
Ante o exposto, à unanimidade, a Câmara dá provimento parcial ao recurso.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Carlos Prudêncio e Orli Rodrigues.

Florianópolis, 26 de abril de 2005.

Carlos Prudêncio
Presidente

Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Relatora

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