Excesso de som e ruído invadem o direito de vizinhança e autorizam a aplicação do art. 1.277 do Novo Código Civil. Leia a íntegra do caso concreto submetido à julgamento pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Data: 29/04/2006
Decisão Monocrática: Agravo de Instrumento Nº 2005.005992-9/0000-00, da comarca de Balneário Piçarras.
Relator: Des. Silveira Lenzi.
Data da decisão: 22.03.2005
Publicação: DJSC n. 11.638, edição de 31.03.2005, p. 35.
Agravante : Bar Lanchonete P Silva Ltda ME
Advogado: Gelson José Rodrigues
Agravados : Paulo Roberto Ferreira Córdova e outros
Advogada : Marla Karine Borges
DESPACHO
Bar e Lanchonete P. Silva Ltda. - ME interpõe agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra as decisões interlocutórias de fls. 248/251 e 254/255, proferidas nos autos da ação cautelar inominada n. 048.04.002372-6, ajuizada por Paulo Roberto Ferreira Córdova, Maria Luiza de Souza e Moacir Breithaupt, que, respectivamente, revigorou a liminar anteriormente concedida e indeferiu o pedido de extinção do processo.
A agravante assevera, em síntese, que: a) os agravados ajuizaram ação cautelar inominada, alegando perpetração de poluição sonora, tendo a Magistrada a quo concedido a liminar para impedir a realização de qualquer show; b) os efeitos da liminar foram suspensos, para que se realizasse nova perícia; c) após a apresentação do laudo, a Togada revigorou a liminar antes
concedida.
Afirma, também, que: a) o estabelecimento comercial funciona há 05(cinco) anos, atuando no ramo de bar, lanchonete e promoção de shows; b) o local dos eventos é fechado e dista 100 (cem) metros da residência dos agravados; c) a via pública onde está situada é residencial e comercial; d) acostou declarações de inúmeros moradores, os quais atestam a ausência de perturbação; e) realizou tratamento acústico, com o isolamento do prédio e a diminuição do volume do som; f) possui as competentes licenças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros; g) a perícia realizada pela Polícia Militar inobservou as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, eis que a aferição foi realizada no próprio estabelecimento, e não na residência dos agravados; h) a perícia realizada em 07.03.05, na casa dos recorridos, aponta a emissão de 50 decibéis, sendo permitido 60 decibéis.
Alega, ainda, que: a) tendo sido a liminar cumprida em 07.06.04, a ação principal deveria ter sido proposta em 07.07.04, mas foi ajuizada somente em 16.07.04; b) restou inobservado o art. 806 do Código de Processo Civil, pois a ação principal foi protocolada após 30 (trinta) dias do cumprimento da liminar; c) a realização de acordo em 09.07.04 não influencia o referido lapso, eis que decorrido em 07.07.04; d) a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina é assente quanto à extinção do processo cautelar quando a ação principal foi proposta intempestivamente.
Aduz, por fim, que a decisão atacada lhe impede de exercer suas atividades, acarretando a demissão de seus empregados.
Requer a concessão do efeito suspensivo e o provimento do recurso.
É o necessário relatório.
Para a concessão do efeito suspensivo ao agravo de instrumento, providências excepcionais, necessária a existência dos pressupostos estabelecidos no art. 558, caput, do estatuto processual - a relevância da fundamentação e a possibilidade de lesão grave e de difícil
reparação, até o julgamento do recurso.
Em análise própria deste momento processual, não vislumbro a presença do fumus boni iuris, porquanto as nove medições sonoras realizadas demonstram o excesso de som e ruído provenientes do estabelecimento agravante, ultrapassando os limites legais, numa clara invasão ao direito de vizinhança consubstanciado no art. 1.277 do atual Código Civil.
Transcrevo excerto da fundamentação do pronunciamento da Magistrada a quo: "Assim, tendo sido realizadas nove medições
externas, excluída aquela realizada pelo réu, e sendo em todas constatado que o limite de 50 e também 55 decibéis foi extrapolado, bem como não tendo ocorrido variação substancial do nível de ruído medido nas residências dos autores [...], mesmo muito tempo depois do decurso do prazo estabelecido pelas próprias partes para a
adequação acústica do estabelecimento, não é demais concluir que a situação permanece praticamente inalterada." (fl. 285).
Da jurisprudência desta Corte retiro: "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MEIO AMBIENTE - POLUIÇÃO SONORA - ILEGITIMIDADE ATIVA
DO MINISTÉRIO PÚBLICO AFASTADA - RECURSO DESPROVIDO
[...] 2. Comprovada a emissão de ruídos acima do limite estabelecido em lei, impõe-se ao infrator a obrigação de fazer cessar imediatamente as atividades poluentes." (AI n. 2002.027470-0, da
Capital, Des. Luiz Cézar Medeiros, julgado em 24.03.03).
Também entendo presente o periculum in mora inverso, eis que o sono noturno, sabidamente, é de suma importância para o descanso físico e mental dos indivíduos, repondo as energias despendidas durante o dia.
Ademais, "muito embora o padrão de conforto acústico varie de pessoa para pessoa, e certamente de lugar para lugar, e alguns ruídos de fundo sejam praticamente parte do ambiente normal de certos meios urbanos, não se pode, sob esse pretexto, conceber que alguém deva tolerar o desconforto acústico que perturbe sua tranqüilidade, comprometendo-lhe a concentração, descanso ou repouso". (Waldir de Arruda Miranda Carneiro, Perturbações Sonoras nas Edificações Urbanas, São Paulo, RT, 2001, p.14).
As demais questões serão oportunamente examinadas pelo relator principal.
Ausente o fumus boni iuris, despiciendo o exame do periculum in mora.
Do exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo.
Cumpra-se o disposto no art. 527, inc. V, do CPC.
Intimem-se.
Após, à redistribuição.
Florianópolis, 22 de março de 2005
Silveira Lenzi
RELATOR