Acórdão: Recurso Especial n. 691.714 - SC (2004⁄0133629-0).
Relator: Min. Franciulli Netto.
Data da decisão: 22.03.2005.
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE BLUMENAU
PROCURADOR : CARLOS ALBERTO PEIXER VINCI
RECORRIDO : PAULO SÉRGIO LENZ
ADVOGADO : HERLEY RICARDO RYCERZ
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO. USUFRUTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO USUFRUTUÁRIO. PRECEDENTE DESTE SODALÍCIO.
Segundo lição do saudoso mestre Pontes de Miranda, "o direito de usufruto compreende o usar e fruir, ainda que não exerça, e a pretensão a que outrem, inclusive o dono, se o há, do bem, ou do patrimônio, se abstenha de intromissão tal que fira o uso e a fruição exclusivos. É direito, erga omnes, de exclusividade do usar e do fruir'. O renomado jurista perlustra, ainda, acerca do dever do usufrutuário de suportar certos encargos, que "os encargos públicos ordinários são os impostos e taxas, que supõem uso e fruto da propriedade, como o imposto territorial e o predial". Na mesma linha de raciocínio, este Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a matéria, assentou que, "em tese, o sujeito passivo do IPTU é o proprietário e não o possuidor, a qualquer título (...) Ocorre que, em certas circunstâncias, a posse tem configuração jurídica de título próprio, de investidura do seu titular como se proprietário fosse. É o caso do usufrutuário que, como todos sabemos, tem a obrigação de proteger a coisa como se detivesse o domínio" (REsp 203.098⁄SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 8.3.2000).
Dessarte, nas hipóteses de usufruto de imóvel, não há falar em solidariedade passiva do proprietário e do usufrutuário no tocante ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana quando apenas o usufrutuário é quem detém o direito de usar e fruir exclusivamente do bem.
Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator."
Os Srs. Ministros Castro Meira e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Francisco Peçanha Martins.
Brasília (DF), 22 de março de 2005 (Data do Julgamento).
MINISTRO FRANCIULLI NETTO, Relator.
RECURSO ESPECIAL Nº 691.714 - SC (2004⁄0133629-0)
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE BLUMENAU
PROCURADOR : CARLOS ALBERTO PEIXER VINCI
RECORRIDO : PAULO SÉRGIO LENZ
ADVOGADO : HERLEY RICARDO RYCERZ
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO(Relator):
Cuida-se de recurso especial, interposto pelo Município de Blumenau, com fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, ementado nos seguintes termos:
"TRIBUTÁRIO - IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU) - SUJEITO PASSIVO - IMÓVEL GRAVADO COM USUFRUTO - TRIBUTO LANÇADO CONTRA O NU-PROPRIETÁRIO - ILEGITIMIDADE.
O sujeito passivo do imposto predial e territorial urbano de imóvel gravado com usufruto é o usufrutuário (CC, art. 733). Se intentada ação para a sua cobrança contra o nu-proprietário deve ser extinto o processo" (fl. 89).
Opostos embargos de declaração, foram eles providos para sanar a contradição apontada, mantido o acórdão que extinguiu a execução.
Alega o recorrente violação dos artigos 32 e 124, I, do Código Tributário Nacional. Sustenta, em síntese, que são solidariamente obrigados o usufrutuário e o nu-proprietário.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 691.714 - SC (2004⁄0133629-0)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO. USUFRUTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO USUFRUTUÁRIO. PRECEDENTE DESTE SODALÍCIO.
Segundo lição do saudoso mestre Pontes de Miranda, "o direito de usufruto compreende o usar e fruir, ainda que não exerça, e a pretensão a que outrem, inclusive o dono, se o há, do bem, ou do patrimônio, se abstenha de intromissão tal que fira o uso e a fruição exclusivos. É direito, erga omnes, de exclusividade do usar e do fruir'. O renomado jurista perlustra, ainda, acerca do dever do usufrutuário de suportar certos encargos, que "os encargos públicos ordinários são os impostos e taxas, que supõem uso e fruto da propriedade, como o imposto territorial e o predial".
Na mesma linha de raciocínio, este Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a matéria, assentou que, "em tese, o sujeito passivo do IPTU é o proprietário e não o possuidor, a qualquer título (...) Ocorre que, em certas circunstâncias, a posse tem configuração jurídica de título próprio, de investidura do seu titular como se proprietário fosse. É o caso do usufrutuário que, como todos sabemos, tem a obrigação de proteger a coisa como se detivesse o domínio" (REsp 203.098⁄SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 8.3.2000).
Dessarte, nas hipóteses de usufruto de imóvel, não há falar em solidariedade passiva do proprietário e do usufrutuário no tocante ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana quando apenas o usufrutuário é quem detém o direito de usar e fruir exclusivamente do bem.
Recurso especial improvido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO(Relator):
Cinge-se a controvérsia à legitimidade passiva do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana na hipótese de usufruto.
Nos termos do artigo 32 do Código Tributário Nacional, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel.
O Código Civil de 1916, em seu artigo 713, dispunha que "constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade". E, de acordo com o artigo 718 daquele diploma legal, de idêntico teor ao artigo 1.394 do CC⁄ o 2002, "o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos".
Determina o artigo 733 do CC⁄ o 16, em regra também prevista no artigo 1.403, II, do CC⁄ o 2002 que:
"Incumbem ao usufrutuário:
I - as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado que os recebeu.
II - Os foros, as pensões e os impostos reais devidos pela posse, ou rendimento da coisa usufruída."
A respeito do usufruto, o festejado autor Caio Mário da Silva Pereira ensina que pressupõe "a coexistência harmônica dos direitos do usufrutuário, construídos em torno da idéia de utilização e fruição da coisa, e dos direitos do proprietário, que os perde em proveito daquele, conservando todavia a substância da coisa ou a condição jurídica de senhor dela" ("Instituições de Direito Civil", vol. IV, 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 290).
Oportunas e precisas as considerações tecidas pelo saudoso mestre Pontes de Miranda acerca do usufruto:
"O direito de usufruto compreende o usar e fruir, ainda que não exerça, e a pretensão a que outrem, inclusive o dono, se o há, do bem, ou do patrimônio, se abstenha de intromissão tal que fira o uso e a fruição exclusivos. É direito, erga omnes, de exclusividade do usar e do fruir. Não tem relevância a análise dos atos de uso e de fruição porque o direito de usufruto contém todos os poderes de uso e de fruição, indistintamente. (...) Posse e administração são meios, reputados necessários, para usar e fruir. Não pode usar e fruir onde ofenda a coisa, direito ou patrimônio, ou lhe ponha em perigo a conservação" ("Tratado de Direito Privado", Parte Especial, Tomo XIX, 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1971, p. 67).
Em outro passo, perlustra o renomado jurista, acerca do dever do usufrutuário de suportar certos encargos, que "os encargos públicos ordinários são os impostos e taxas, que supõem uso e fruto da propriedade, como o imposto territorial e o predial" (ob. cit., p. 95).
Aires Fernandino Barreto observa, por outro lado, que a sujeição passiva do IPTU "alcança todo aquele que detém qualquer direito de gozo, relativamente ao imóvel, seja pleno ou limitado. É nessa relação patrimonial que vamos encontrar o substrato tributável. Titulares desses direitos são, pois, o proprietário pleno, seja de domínio exclusivo, seja na condição de co-proprietário ou condômino, (...). Também o é o fiduciário que tem a propriedade, embora sob condição resolutiva. (...). Da mesma forma, o enfiteuta, porque titular do domínio útil, ou seja, dos direitos de uso, gozo e disposição do imóvel, (...). Diga-se o mesmo em relação ao usufrutuário, porquanto titular dos direitos de usar, de administrar a coisa e, sobretudo, dela fruir" (grifo não-original – "Do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana", in Curso de Direito Tributário, Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 737).
Na mesma linha de raciocínio, asseverou o ilustre Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, quando do julgamento do REsp 203.098⁄SP, de sua relatoria, que, "em tese, o sujeito passivo do IPTU é o proprietário e não o possuidor, a qualquer título (...) Ocorre que, em certas circunstâncias, a posse tem configuração jurídica de título próprio, de investidura do seu titular como se proprietário fosse. É o caso do usufrutuário que, como todos sabemos, tem a obrigação de proteger a coisa como se detivesse o domínio" (DJ 8.3.2000). A ementa do referido acórdão da colenda Terceira Turma restou redigida nos seguintes termos:
"Usufruto. Pagamento do IPTU.
1. O usufrutuário, que colhe os proveitos do bem, é o responsável pelo pagamento do IPTU, nos termos do art. 733, II, do Código Civil, na proporção de seu usufruto.
2. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 203.098⁄SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 8.3.2000).
Cumpre, ainda, apenas a título de ilustração, mencionar exemplos de leis estrangeiras, citadas por Valéria C. P. Furlan, que expressamente prevêem o usufrutuário como sujeito passivo do aludido imposto:
"O Código Fiscal de Buenos Aires (art. 83) considera o 'usufrutuário' sujeito passivo do IPTU, conforme ressalta Dino Jarach, Curso de finanzas (pp. 485 e 486). O direito francês também estabelece como 'devedor do imposto o proprietário e o usufrutuário ou enfiteuta' (Código Geral de Imposto, art. 1.424)" ("Imposto Predial e Territorial Urbano", 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 88).
Dessarte, com espeque no disposto no Código Civil, bem como no precedente deste Superior Tribunal de Justiça e nesses ensinamentos doutrinários, além de exemplos de legislação alienígena, conclui-se que nas hipóteses de usufruto de imóvel não há falar em solidariedade passiva no tocante ao IPTU quando apenas o usufrutuário é quem detém o direito de usar e fruir exclusivamente do bem.
Saliente-se, apenas a título de esclarecimento, que, no julgado da Terceira Turma acima mencionado, restou evidenciada a solidariedade entre o proprietário e o usufrutuário, uma vez que o usufruto era de 50% (cinqüenta por cento) do imóvel. Na espécie, contudo, o imóvel tributado está gravado com usufruto em favor de Tereza Lens (cf. fl. 15v), sem qualquer restrição, razão pela qual apenas a usufrutuária sujeita-se ao pagamento do IPTU.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
Ministro FRANCIULLI NETTO, Relator.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2004⁄0133629-0 RESP 691714 ⁄ SC
Números Origem: 20010225468 8990161193
PAUTA: 15⁄03⁄2005 JULGADO: 22⁄03⁄2005
Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCIULLI NETTO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FRANCIULLI NETTO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE BLUMENAU
PROCURADOR : CARLOS ALBERTO PEIXER VINCI
RECORRIDO : PAULO SÉRGIO LENZ
ADVOGADO : HERLEY RICARDO RYCERZ
ASSUNTO: Execução Fiscal - Penhora - Bem de Família
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator."
Os Srs. Ministros Castro Meira e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Francisco Peçanha Martins.
Brasília, 22 de março de 2005
VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária