Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2004.024131-3, de Itajaí.
Relator: Des. Trindade dos Santos.
Data da decisão: 21.07.2005.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. Declaratória constitutiva negativa. Revenda de combustíveis. Liberação para a aquisição de produtos de bandeiras diversas. Tutela antecipada negada. Cláusula de exclusividade. Potestatividade. Provimento. Condições que se impõe para a execução da providência.
I - O aprisionamento de revendedor de combustível e derivados de petróleo a determinado fornecedor, através de cláusula de exclusividade, é imposição contratual potestativa, vulnerando o princípio da livre concorrência prestigiado pela Lei das Leis. Nesse contexto, é viável juridicamente a concessão de tutela antecipada para, no limiar de ação declaratória constitutiva negativa, libertando o revendedor da 'bandeira do fornecedor exclusivo', mormente porque liberados, pela política econômica governamental, os preços dos derivados de petróleo, desvinculá-lo da cláusula de exclusividade imposta. Isso como forma de incentivar a livre iniciativa, viabilizando ao revendedor a aquisição do produto de quem lhe acenar com melhores preços.
II - A concessão da tutela antecipada, em hipótese tal, mais se justifica quando se propõe o revendedor a prestar caução suplementar, descaracterizando, de outro lado, o posto de sua propriedade de qualquer indício da marca da atual fornecedora, com a devolução das bombas de combustível, do respectivo poste identificador e dos 'spreaders' 75 que lhe foram entregues em comodato.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 2004.024131-3, da comarca de Itajaí (3ª Vara Cível), em que é agravante B2M Comercial Ltda., sendo agravada Esso Brasileira de Petróleo Ltda.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conceder provimento ao recurso.
Custas ex lege.
I -RELATÓRIO:
Irresignada com a decisão que, proferida nos autos da ação declaratória - constitutiva negativa - condenatória - com pedido de tutela antecipada que promove em face de Esso Brasileira de Petróleo Ltda, indeferiu o pleito de antecipação parcial dos efeitos da tutela jurisdicional que objetivava a liberação para adquirir produtos de quaisquer distribuidora licenciada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), B2M Comercial Ltda. interpôs agravo de instrumento.
Sustentou ser o contrato firmado de compra e venda, devendo incidir, no caso em análise, as disposições legais de referida espécie de contrato, ou seja, aplicando-se in casu as disposições do Código Civil.
Asseverou que, ainda que o pacto fosse reconhecidamente atípico, seria aplicável o art. 425 do Código Civil vigente, bem como as normas gerais dos contratos previstas no refalado corpo de normas.
Mencionou a aplicação dos arts. 115, 145, inciso II, 1.122, 1.125 e 1.126 do Código Civil de 1.916, bem como dos arts. 122, 166, incisos V, VI e VII, 424, 482, 489, todos do Código Civil de 2002.
Alegou que a distribuidora fixa unilateralmente os preços dos produtos, tornando nulo de pleno direito o contrato que concede o ajuste dos preços ao arbítrio exclusivo de uma das partes, no caso, as distribuidoras dos combustíveis.
Argumentou que a cláusula de exclusividade é puramente potestativa, visto que os preços e prazos referentes a aquisição dos produtos são elementos essenciais na compra e venda, acarretando a nulidade do negócio jurídico.
Salientou os preceitos dos arts. 238, 170, inciso IV e 173, § 4º da Constituição Federal, aduzindo que a exclusividade restringe à livre concorrência prevista na Carta Constitucional e no art. 1º, inciso IX da denominada Lei do Petróleo.
Deduziu que, inexistindo qualquer previsão que regulamente a cláusula de exclusividade, a norma constitucional, que é imperativa e auto-aplicável, resta afrontada.
Ressaltou que a cláusula de exclusividade ocasiona o impedimento de investimentos por parte de pequenas e médias empresas no mercado, em virtude da colisão com as grandes distribuidoras, que por sua vez, quase não contribuem para a geração de empregos.
Requereu o provimento do recurso, para que seja reformada a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição e concedida a tutela antecipada almejada.
Indeferido o pleito de antecipação da tutela recursal através da decisão monocrática de fls. 405/406.
Intimada, a agravada ofertou contra-razões, alegando, em síntese, que a agravante possuía, ao tempo da celebração do contrato, a possibilidade de optar entre a denominada "bandeira branca" ou a operação ligada a ESSO, tendo decidido pela última hipótese.
Asseverou que não se trata de contrato de compra e venda mas, de contrato de distribuição mercantil de combustíveis, sendo, portanto, inaplicáveis as disposições concernente ao contrato de compra e venda previstas no Código Civil, consoante imposição do art. 482 de referido Diploma Legal.
Mencionou, a não incidência dos arts. 1.125 e 1.126 do Código Civil de 1.916 e dos arts. 482 e 489 do Código Civil de 2002, sendo o contrato firmado plenamente válido. Sustentou, ainda, que a recorrente se favorecia de sua marca, promoções e marketing, contudo, sem obedecer a cláusula de exclusividade imposta pelo contrato firmado, vez que adquiria produtos de terceiros, induzindo os consumidores em erro, haja vista que julgavam estarem comprando produtos da ESSO, inclusive, relatando que a agravante, mesmo não mais comprando seus produtos, continua utilizando sua marca/bandeira.
Ademais, alegou a não caracterização da previsão do art. 424 do CC/2002, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a ausência de afronta aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência.
Destarte, pugnou pelo improvimento do recurso.
II -VOTO:
Ataca a insurgente, por via do recurso interposto, a decisão judicial que indeferiu o pleito de antecipação de tutela formulado na peça exordial da ação declaratória - constitutiva negativa - condenatória - com pedido de tutela antecipada por si proposta contra Esso Brasileira de Petróleo Ltda, , visando a sua liberação para adquirir produtos de quaisquer distribuidora licenciada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), até mesmo com a oferta da prestação de caução suplementar, com a descaracterização do local da empresa de qualquer indício da marca ESSO e a devolução das bombas de combustíveis, poste e spreaders 75.
Em suas aduções insurgenciais, destacou a agravante, em linhas gerais, a aplicação das disposições do Código Civil ao caso em exame, a afronta ao princípio constitucional da livre concorrência (art. 170, inciso IV da CF) e a nulidade do contrato, principalmente no que concerne a cláusula de exclusividade.
Razão assiste à postulante recursal!
Entendemos que o contrato firmado entre as partes - o de compra e venda mercantil de produtos e de comodato de equipamentos-, sustente-se, é contrato atípico, pelo que, nos termos do art. 425 do Código Civil em vigor, deve ele se ater às normas gerais fixadas na mesma Codificação. E as normas gerais sobre contratos alinhadas no Código Civil nada de específico pontuam acerca das cláusulas de exclusividade em contratos que, como o destes autos, é tipicamente de adesão.
De outro lado, de um cotejo entre o princípio da legalidade apontado no art. 5o, item II da Constituição da República e o da livre iniciativa prestigiado pelo art. 170 da mesma Carta Política, conclui-se reprimir a lei maior os monopólios econômicos, fazendo prevalecer, como princípio geral da atividade econômica no país, o da livre concorrência.
E a cláusula de exclusividade, é de se enfatizar, fere letalmente o princípio da livre concorrência!
RICARDO HASSON SAYEG acentua que:
"A cláusula de exclusividade corresponde ao pacto negocial constitutivo da obrigação do revendedor de combustíveis automotivos de adquiri-los da empresa distribuidora a que esteja vinculado, pelo preço do dia praticado por esta, com a simultânea proibição de adquirir de outro distribuidor concorrente, formalizada através de contrato mercantil de fornecimento, por meio de, como de praxe se verifica , contrato de promessa de compra e venda, contrato de cessão de uso da marca e outras avenças, contrato de locação ou sublocação de posto de serviços, contrato de comissão mercantil, etc." (Aspectos Contratuais da Exclusividade no Fornecimento da Combustíveis Automotivos, 1a ed., 2002, Bauru (SP): EDIPRO).
Desta forma, tem-se que a cláusula de exclusividade inserida em contratos como aquele trazido aos autos vem sendo considerada abusiva.
Registra, ainda, o citado RICARDO HASSON SAYEG, na obra em questão:
"(...,), a cláusula de exclusividade, sem salvaguarda contratual, caracteriza condição puramente potestativa e não chega sequer a integrar o respectivo contrato bilateral, restringindo-se ao campo da invalidade, tendo em vista que é fruto do sistema jurídico passado da normatização do petróleo, que não mais existe, em face da liberação do setor, em especial dos preços, em cuja época a cláusula era válida, porque o preço da compra não estava sujeito à distribuidora, mas, sim, ao controle estatal que inclusive determinava a margem de lucro de cada etapa da cadeia econômica do sistema nacional de abastecimento de combustíveis automotivos.
Todavia, contemporaneamente por estar inserido em contrato de adesão, o caráter puramente potestativo da cláusula de exclusividade implica pelo art. 424 do novo Código Civil expressamente em sua nulidade. A cláusula de exclusividade em face de seu cunho puramente potestativo pré-disposto em pacto de adesão, está impondo atualmente, diante do vigente regime de liberdade de preços no setor, a renúncia de direito que decorre da natureza do próprio contrato de fornecimento.".
E, com efeito, é taxativamente claro o CC/2002, ao preceituar, em seu art. 424:
"Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio."
Em seus comentários a respeito do transcrito dispositivo, averba MARIA HELENA DINIZ:
"As cláusulas contidas em contrato por adesão, que venham a estipular renúncia antecipada do aderente a direito que advenha da própria natureza do negócio, serão consideradas nulas, pois a liberdade de contratar deverá ser exercida dentro do princípio da função social do contrato, da probidade e da boa-fé; tais cláusulas, além de serem abusivas ou leoninas (JB, 70:247), geram insegurança contratual." (Código Civil Anotado, 9a ed., 2003, São Paulo: Saraiva, p. 324).
Não divergindo, salienta JONES FIGUEIREDO ALVES:
"O dispositivo resulta do preceito fundamental segundo o qual a liberdade de contratar só pode ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato, implicando os princípios definidos pelo art. 422. O ofertante não pode privar o aderente de direito resultante da natureza do negócio ao qual este aderiu. A justiça contratual impõe a efetividade dos negócios jurídicos segundo os princípios da probidade e da boa-fé. Ditas cláusulas opressivas são presentes, notadamente, em contratos de trato sucessivo, complexo e de longa duração, não podendo o aderente resultar desprovido da segurança contratual. O caráter abusivo da cláusula situa-se em face de tratar-se de uma cláusula de exclusão ou de exoneração, frustrante aos interesses do aderente colocado diante da própria motivação ou necessidade da adesão." (Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza, 2002, São Paulo: Saraiva, p. 377).
Com total propriedade, disse o colendo 1o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:
"Diante da abusividade das condições estabelecidas pelo fornecedor de combustíveis e derivados, impondo ao revendedor a exclusividade de venda de seus produtos, concede-se a tutela antecipada em sede de ação rescisória de contrato de compra e venda, desvinculando o revendedor da "bandeira do fornecedor", pois, diante da nova orientação econômica governamental, ao liberar os preços de produtos derivados de petróleo, essa desvinculação vem atender às exigências do comércio, incentivando a livre iniciativa, na medida em que deixa o posto de gasolina liberado para adquirir a mercadoria de quem lhe oferecer melhor preço." (rel. Juiz ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS, RT 774/272).
E, convenhamos: a cláusula de exclusividade inserida em contrato de fornecimento ou distribuição de combustíveis automotivos, implicando em renúncia antecipada do adquirente ao exercício do direito constitucional da livre concorrência, com aceitação de todas as exigências da fornecedora, entre as quais a do preço estipulado, é nula, posto que equivalente à renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, qual seja, a discussão de suas cláusulas e do próprio preço do combustível adquirido.
Em arremate, acentue-se que obrigar a agravante a manter o contrato de exclusividade firmado, implica, na medida em que a recorrida vem impondo o preço de aquisição do combustível e, por via da lógica, do preço de revenda, em prejuízos irreparáveis para a recorrente, posto que esta estará, diante dos preços abusivos postos em prática, automaticamente alijada do processo da livre concorrência, o que, por certo, lhe acarretará prejuízos irreparáveis.
Demais disso, consoante já expôs este Pretório:
"A tutela antecipada é medida jurisdicional que só pode ser concedida diante da conjugação dos requisitos elencados no art. 273 do CPC. A frustração do lucro do fornecedor, decorrente da suspensão do negócio de distribuição mercantil e conseqüente permissão para aquisição de derivados de petróleo de outros fornecedores, gera mero prejuízo econômico, indenizável e não irreparável.
Ademais, a quebra do monopólio estatal do petróleo e a liberação do controle estatal do preço de distribuição dos combustíveis derivados de petróleo, afastando do governo a atribuição de fixação do preço, justifica a quebra da exclusividade do fornecimento." (AI n. 99.013668-0, de Chapecó).
Em hipótese idêntica à destes autos, em que foi agravante Esso Brasileira de Petróleo Ltda., sendo agravada Jóia Comércio de Combustíveis Ltda., enfatizou mais este Pretório:
"Tratando-se de obrigação de fazer, a concessão da antecipação da tutela depende, além da relevância do fundamento, do justificado receio de ineficácia do provimento final, consoante dispõe o par. 3o do art. 461 do Código de Processo Civil.
Impõe-se o indeferimento do provimento antecipatório se a demora do julgamento da lide não vai acarretar a inutilidade da sentença a ser proferida." (AI n. 2000.024570-4, da Capital, rel. Des. CERCATO PADILHA).
Neste norte, empresta-se provimento ao recurso para, reformando-se a decisão vergastada, deferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, liberando a agravante para adquirir produtos de qualquer distribuidora licenciada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), devendo, todavia, prestar caução suplementar, a ser analisada pelo juízo a quo, descaracterizar o local da empresa de qualquer indício da marca ESSO e devolver as bombas de combustíveis, poste e spreaders 75 de propriedade da agravada (item 4.1 do contrato - fls. 78), no prazo máximo de 04 (meses).
III -DECISÃO:
Empresta-se agasalho ao recurso para, nos termos do voto do relator, deferir a tutela antecipada pugnada.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Nelson Schaefer Martins e Ronaldo Moritz Martins da Silva.
Florianópolis, 21 de julho de 2005.
Trindade dos Santos
PRESIDENTE E
RELATOR