Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2005.031952-6, de Timbó.
Relator: Des. Monteiro Rocha.
Data da decisão: 09.08.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 296, edição de 24.09.2007, p. 103.
EMENTA: DIREITO CIVIL - FAMÍLIA – ALIMENTOS PROVISÓRIOS FIXADOS EM BENEFÍCIO DE EX-MULHER – CASSAÇÃO EM 1º GRAU – INCONFORMISMO DA ALIMENTADA – NECESSIDADE ALIMENTAR – APTIDÃO PARA O TRABALHO – PATRIMÔNIO CONSIDERÁVEL – DEVER DE AUTO-SUSTENTO – ALEGAÇÃO AFASTADA – MANTENÇA DO NÍVEL SOCIAL – IMPOSSIBILIDADE – ALIMENTOS DESTINADOS TÃO SOMENTE PARA A SUBSISTÊNCIA – AUSENTE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DO EX-CÔNJUGE – DECISUM MANTIDO – RECURSO IMPROVIDO.
Comprovada a possibilidade da alimentada de prover o seu auto-sustento, exonera-se o ex-marido da obrigação alimentar.
O art. 1.694 do atual CC não assegura condição social do alimentado, destinando-se a verba alimentar tão somente àquele que necessita transitoriamente do indispensável para a sobrevivência.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2005.031952-6, da comarca de Timbó (1ª Vara Cível e Criminal), em que é/são agravante D. W. N., sendo agravado V. A. N.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
D. W. interpôs agravo de instrumento contra decisão proferida nos autos da ação de alimentos nº 073.05.001838-0 proposta contra seu ex-marido V. A. N., que cassou os alimentos provisórios de R$ 8.742,00, deferidos em prol da agravante.
Alegou que nos autos da ação de separação judicial n. 073.04.000812-9, as partes acordaram quanto aos termos da separação, tendo a agravante desistido da pensão alimentícia tão somente para formalizar o acordo entre as partes e diante da promessa do agravado de que pagaria corretamente todas as prestações indenizatórias decorrentes de sua meação patrimonial.
Argumentou que, em razão de seu ex-cônjuge não estar promovendo o pagamento das prestações de forma regular, necessita de verba alimentar para sua subsistência.
Afirmou que o fato de ter percebido quantia superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), decorrente de sua meação, não é hábil a afastar o seu direito alimentar, uma vez que a agravante, seu ex-marido e filhos desfrutam de alto poder aquisitivo.
Sustentou que o agravado possui plenas condições financeiras de prestar alimentos em seu benefício, e que a agravante necessita da verba alimentar para custear suas despesas mensais e para manter o padrão de vida que desfrutava durante o casamento.
Afirmou que, em razão de dificuldades financeiras, teve que trancar o curso de turismo e hotelaria que cursava, apresentando saldo negativo em sua conta bancária.
Postulou a concessão de efeito suspensivo ao agravo, bem como o provimento do recurso, com a fixação de alimentos no valor de R$ 8.742,00.
Foi concedido o efeito suspensivo almejado, restabelecendo-se os alimentos provisórios de R$ 8.742,00 (fls. 239/241).
O agravado V. A. N. interpôs agravo regimental às fls. 245/265, o qual restou improvido às fls. 287/295.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo improvimento do recurso (fls. 301/308).
É o relatório.
VOTO
Conhece-se do recurso, porquanto presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Passo, assim, ao exame de mérito.
Pretende a agravante o restabelecimento da verba alimentar de R$ 8.742,00 a ser paga pelo seu ex-cônjuge em seu benefício.
Primeiramente, há que se atentar para o fato de que a agravante desistiu da pensão alimentícia por ocasião do acordo de separação judicial (fls. 39/54).
No presente caso, a agravante ampara a sua pretensão alimentar no fato de que, após o acordo de separação, o agravado não vem pagando regularmente as prestações indenizatórias decorrentes de sua meação patrimonial, privando-lhe do necessário ao sustento.
Cumpre ponderar que, ainda que a desistência alimentar possibilite reversão ante a modificação da situação fática existente no momento do acordo em que ocorreu a dispensa da pensão alimentícia, é indispensável que a alimentada comprove a real necessidade de perceber alimentos de seu ex-marido, sem o que improcede o pedido alimentar.
Conforme decidiu o TJRS:
"AINDA QUE TENHA HAVIDO DISPENSA DOS ALIMENTOS NO MOMENTO DA DECRETACAO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL DO CASAL, NADA IMPEDE QUE A DIVORCIANDA PLEITEIE ALIMENTOS PARA SI. CONTUDO, PARA O ARBITRAMENTO DA VERBA PROVISÓRIA É IMPRESCINDÍVEL QUE HAJA PROVA SUFICIENTE DE SUAS DIFICULDADES DE SUSTENTO. NAO RESTANDO COMPROVADA A NECESSIDADE DA RECORRENTE, MANTEM-SE A DECISAO INTERLOCUTORIA QUE INDEFERIU A LIMINAR. AGRAVO DESPROVIDO.(6FLS)" (TJRS, 7ª Câmara Cível, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, Ag. Inst. n. 70003695921, J. em 06/03/2002)
"SEPARAÇÃO. DISPENSA. HAVENDO DISPENSA DOS ALIMENTOS POR OCASIÃO DA SEPARAÇÃO DO CASAL, A VAROA SOMENTE PODE BUSCÁ-LOS QUANDO DA OCORRENCIA DE MODIFICACAO QUE RESULTE EM INEQUÍVOCO AUMENTO DE SUAS NECESSIDADES, DESDE A DATA DA SEPARAÇÃO. DESPROVERAM. UNANIME" (TJRS, 7ª Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Ap. Cív. n. 70002659662, j. em 15/08/2001)
Nesse contexto, a solução da problemática sub judice afasta-se da perquirição acerca das possibilidades do alimentante, passando, antes, pelas necessidades da agravada.
A obrigação alimentar entre ex-cônjuges deve ser analisada à luz do art. 5º, I, da Constituição Federal, segundo o qual "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".
Corroborando o conteúdo do mencionado dispositivo, o art. 226, § 5º, da CF, ao tratar especificamente sobre a unidade conjugal, estabelece que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".
A igualdade entre homens e mulheres trouxe equilíbrio nas relações conjugais, acarretando a inadmissibilidade de exigir-se do ex-cônjuge o pagamento de pensão alimentar, salvo hipóteses especialíssimas em que aquele que pede alimentos não possui condições nem meios para prover o seu auto-sustento.
Conforme ensina Clóvis Beviláqua:
"Em regra, os alimentos são somente devidos, se o alimentário não tem recursos e está impossibilitado de prover à sua subsistência, e quando o alimentador possui bens além dos necessários para a sua própria sustentação" (Direito de Família. 7ª edição. Rio de Janeiro : Editora Rio, 1976, p. 385 – grifo não constante no original).
Já decidiu esta Segunda Câmara de Direito Civil:
"Em se tratando de alimentos, para que a mulher os receba de seu ex-companheiro, deve ser robusta a prova de sua real necessidade, haja vista que tal instituto, por imposição legal, veda que a pensão alimentícia seja instrumento de ociosidade e parasitismo" (TJSC, 2ª Câmara de Direito Civil, Rel Des. Mazoni Ferreira, Ap. Cív. nº 2005.018017-6, da Capital, J. 29/09/05).
Na hipótese dos autos, a agravante, além de possuir plena aptidão física e mental para trabalhar e prover o seu auto-sustento, por ocasião da separação do casal recebeu parte do que lhe compete de sua meação, perfazendo a quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em espécie.
Além da quantia em dinheiro, recebeu ações preferenciais da empresa BRADESPAR S/A, um veículo Renaut Scenic, bem como quatro apartamentos na cidade de Blumenau, sobre os quais a agravante poderá alugar e extrair renda para complementar o seu sustento.
De outro norte, resta evidente o propósito da agravante de utilizar a verba alimentar para manutenção do padrão de vida que possuía à época da vigência da união entre as partes, o que não é permitido conforme exegese do art. 1.694 do atual Código Civil:
"DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - ALIMENTOS PROVISIONAIS - DEFERIMENTO EM 1º GRAU - INCONFORMISMO - EXONERAÇÃO EM RELAÇÃO À EX-COMPANHEIRA - APTIDÃO PARA O TRABALHO - DEVER DE AUTO-SUSTENTO - ALEGAÇÕES ACOLHIDAS - MANTENÇA DO NÍVEL SOCIAL - IMPOSSIBILIDADE - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AUSENTE - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - PLEITO FORMULADO PELA AGRAVADA - DOLO PROCESSUAL - INCOMPROVAÇÃO - CONDENAÇÃO AFASTADA - DECISUM REFORMADO - RECURSO PROVIDO. Comprovada a possibilidade da alimentada de prover o seu auto-sustento, exonera-se o ex-marido da obrigação alimentar. O art. 1.694 do atual CC não assegura condição social do alimentado, não originando irredutibilidade de padrão de vida àqueles que reduzem seu acervo patrimonial pela divisão igualitária dos bens" (TJSC, 2ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Monteiro Rocha, Ag.Inst. n. 2004.035294-9, j. em 22/02/2007).
Contudo, impende salientar que o dever de mútua assistência não abrange a manutenção do status social da alimentada.
Primeiro, porque o direito alimentar não se confunde com o sucessório e o previdenciário, sendo mero direito protetivo àquele que necessita transitoriamente do indispensável para a sobrevivência. Segundo, porque o art. 1.694 do atual Código Civil, consoante parcela da doutrina, se mostra totalmente inadequado e fora da realidade. A propósito, conforme alteração do mencionado dispositivo proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família à Câmara Federal, "a expressão 'compatível com sua condição social' deve ser substituída por 'digno'. Mantendo-se a expressão utilizada, poderá ser feita a interpretação de que o credor dos alimentos não poderá diminuir o seu padrão de vida, quando na realidade, a simples divisão matemática dos bens de um casal que se separa muitas vezes não possibilita a mantença do padrão de vida para a pessoa que recebe, e também para a que alcança os alimentos" (Luiz Felipe Brasil Santos, Questões Controvertidas no Novo Código Civil, p. 210 e seg.). Terceiro, se em princípio, o dever de mútua assistência que existe durante a sociedade conjugal decorre da lei, essa proteção não pode ir a ponto de assegurar o padrão de vida de quem postula alimentos.
Assim, não pode a agravante, mulher apta ao trabalho e detentora de patrimônio considerável, alegar que está passando por dificuldades financeiras e requerer alimentos ao seu ex-cônjuge, posto que é evidente que dispõe do necessário à sua subsistência.
Se a agravante, mesmo assim, entender que os meios de que dispõe não geram a renda necessária para o atendimento de suas necessidades, a ela compete trabalhar ou, ainda, reaver a forma como tem administrado os seus bens e controlado suas despesas.
Mutatis mutandis, traz-se aos autos entendimento jurisprudencial aplicável ao caso vertente:
"Percebendo a agravada uma aposentadoria correspondente a 10 salários mínimos, e residindo em imóvel próprio e quitado, evidencia-se, a priori, a sua desnecessidade em receber alimentos do ex-marido, sabido que, em princípio, o dever de mútua assistência entre cônjuges não vai a ponto de assegurar o padrão de vida de quem postula alimentos" (TJRS, 7ª Câmara Civil, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Ag. Inst. nº 599204443, J. 02.06.1999).
Ademais, consta nos autos que a agravada, anteriormente ao acordo de separação em que desistiu da verba alimentar, recebeu, por aproximadamente oito meses, alimentos no valor R$ 7.578,00 (fl. 56), do que se pode concluir que o agravado a amparou por tempo suficiente para que pudesse adequar-se a nova realidade após a separação.
Ora, se os alimentos decorrentes de parentesco não são vitalícios, com muito maior razão pode ser dito que os alimentos entre os cônjuges ou companheiros devam ter pequena provisoriedade, pois conforme leciona Washington de Barros Monteiro, "cônjuge não é parente e sim um companheiro, um sócio, e enquanto perdure a sociedade conjugal" (in Yussef Said Cahali, Divórcio e Separação, São Paulo, Revista dos Tribunais, Tomo I, 1994, 7ª ed., p. 248).
Destarte, constatada a desnecessidade da agravada de perceber alimentos de seu ex-marido, revoga-se o restabelecimento liminar da verba alimentar, mantendo-se o decisum de primeiro grau que afastou a obrigação alimentar do agravante de sustentar sua ex-mulher.
Nesse sentido, têm se manifestado os tribunais pátrios:
"O pedido de alimentos formulado pela mulher com fulcro na obrigação marital de sustentá-la é inadmissível por incompatibilidade com a regra constitucional da igualdade absoluta" (RT 647/86).
"EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS EM RELAÇÃO A EX-MULHER. DESCABE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PARA A EX-MULHER QUANDO ESTA, COM POUCO MAIS DE QUARENTA ANOS, SENDO APTA AO TRABALHO, E, TENDO RECEBIDO PENSÃO POR JÁ PASSADOS TRÊS ANOS DA SEPARAÇÃO JUDICIAL DO CASAL. TRABALHO É OBRIGAÇÃO E NAO OPÇÃO. INACEITÁVEL A ACOMODAÇÃO NA EXPECTATIVA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. INDEMONSTRADA A NECESSIDADE DOS ALIMENTOS, MAS A CONVENIÊNCIA, IMPERIOSO EXTINGUIR A RELAÇÃO OBRIGACIONAL" (TJRS, 7ª Câm.Civ., Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Apelação Cível Nº 598154607, j. em 07/10/1998).
Ante o exposto, nego provimento do recurso.
É o voto.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, esta Segunda Câmara de Direito Civil, à unanimidade de votos, resolve negar provimento ao recurso.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Jorge Schaefer Martins.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Tycho Brahe Fernandes.
Florianópolis, 09 de agosto de 2007.
MAZONI FERREIRA
Presidente com voto
MONTEIRO ROCHA
Relator