Acórdão: Apelação Cível n. 2005.019444-3, de Itajaí.
Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato.
Data da decisão: 15.05.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 228, edição de 19.06.2007, p. 81.
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL INDIVISÍVEL - DECISÃO QUE PRIVOU O COMPOSSUIDOR DA DEFESA DE SUA POSSE COM ARGUMENTOS RELATIVOS AO DIREITO DE PROPRIEDADE - JULGAMENTO EXTRA PETITA -SENTENÇA EXTINTIVA ANULADA - RECURSO PROVIDO
1. Tratando-se de ação de reintegração de posse, o limite da demanda é justamente o direito de posse, que é o exercício do poder de fato sobre a coisa. Portanto, é extra petita a decisão cujos fundamentos se baseiam em aspectos relativos à propriedade do imóvel em litígio.
2. O artigo 1.314 do Código Civil permite ao condômino defender a sua posse, seja contra terceiros, seja em face de outros condôminos ou compossuidores.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.019444-3, da Comarca de Itajaí (3ª Vara Cível), em que é apelante Ermínio Castro e apelada Ondina Chisner:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Ermínio Castro ajuizou "ação de reintegração de posse com pedido liminar" em face de Ondina Chisner sustentando, em síntese, que a ré praticou esbulho possessório no seu imóvel, cuja posse vinha sendo devidamente exercida através do cultivo de plantas ornamentais desde a celebração de contrato de compra e venda com Carlos Eduardo Leutz e seus irmãos, por este representados, Rogério Leutz e Ricardo Leutz.
Realizada audiência de justificação prévia (fls. 55/58), a conciliação restou inexitosa, razão pela qual foram ouvidas duas testemunhas do autor e deferido o pleito da ré para juntada de fotografias do imóvel (fls. 62/73).
Na mesma oportunidade em que juntou novos documentos (fls. 82/106), a ré pugnou pelo indeferimento da liminar, aduzindo que é legítima proprietária de dois terços do imóvel sub judice, o qual estava abandonado no momento em que passou a exercer a posse, inclusive com várias prestações de água e luz em atraso, as quais se comprometeu a efetuar o pagamento.
Em seguida (fls. 108/112), o MM. Juiz de Direito julgou antecipadamente da lide com fulcro no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, indeferindo a petição inicial de acordo com o art. 295, I c/c o seu parágrafo único, III, do mesmo Diploma Legal, por entender tratar-se de condomínio, motivo pelo qual a coisa só poderia ser reivindicada de terceiros e não de outros condôminos.
Por conseqüência, declarou extinto o feito com base no art. 267, VI, do Codex Instrumental, condenando a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) com supedâneo nas alíneas a, b e c do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil.
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 116/122), no qual sustenta a nulidade da sentença tendo em vista o julgamento extra petita, pois o Magistrado singular baseou-se no suposto direito de propriedade da ré para proferir a decisão, quando deveria ater-se somente à posse.
Em contra-razões, a apelada pugna pela manutenção do veredicto (fls. 131/134).
II -VOTO:
Estabelece o art. 128 do Código de Processo Civil que "o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa das partes".
Na mesma esteira, dispõe o art. 460 do mesmo Diploma Legal, que "é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional".
In casu, por se tratar de ação de reintegração de posse, o limite da demanda é justamente o direito de posse, que é o exercício do poder de fato sobre a coisa, restando descabida qualquer discussão acerca da propriedade do imóvel em litígio.
No entanto, diante do peculiar condomínio que aparentemente existe sobre o imóvel indiviso descrito na inicial, o qual, em primeira análise, pertenceria na proporção de dois terços à apelada e na proporção de um terço ao apelante, equivocou-se o Magistrado a quo na aplicação da lei.
Isto porque, considerou a parte do art. 1.314 do Código Civil que trata do direito de propriedade para dirimir a questão dos autos, que versa sobre direito possessório, conforme se vê no seguinte trecho do julgado:
"O artigo 1.314 do Código Civil, ao tratar sobre os direitos e deveres dos condôminos, dispõe que: 'Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal ou gravá-la' (grifo nosso).
Sobre o jus vindicandi, atribuído aos condôminos, inicialmente, a doutrina pátria aparentava ser um pouco confusa a respeito de contra quem poderia ser invocado este direito. Contudo, nos dizeres de Washington de Barros Monteiro - Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 1979. vol. 3. pág. 211, ao citar Carlos Maximiliano: "O nosso Código Civil preferiu adotar trilha mais segura, baseada no meio-termo: outorgou ao condômino o direito de reivindicar, porém apenas contra terceiros, não contra outros condôminos".
Como se vê, a pretensão formulada pelo suplicante carece de amparo jurídico, na medida que o direito de reivindicar a posse do bem em destaque não poderia ser invocado contra a co-proprietária, ora demandada" (fl. 110).
Verifica-se que o Magistrado singular discorreu acerca do direito de reivindicar apenas contra terceiros a coisa indivisível sobre a qual recai condomínio, afastando o direito de ação do apelante por não se tratar de terceiro, e sim, de condômino. Todavia o verbo reivindicar possui relação com propriedade e não posse, concluindo-se que foi erroneamente interpretado.
Ora, o recorrente não estava reivindicando o seu direito de propriedade, mesmo porque, como já dito, tal discussão não pode ocorrer em sede de ação possessória. A real pretensão consistia na defesa da posse, que segundo o apelante, teria sido turbada em sua totalidade pela ré.
Sua insurgência é, pois, legítima, de acordo com o mesmo artigo 1.314 do Código Civil citado em primeiro grau de jurisdição, que permite ao condômino defender a sua posse, seja contra terceiros, seja em face de outros condôminos ou compossuidores.
Sobre referida possibilidade, colhe-se dos ensinamentos de Maria Helena Diniz:
"Cada condômino, na qualidade de compossuidor, poderá defender sua posse contra outrem (outro condômino ou terceiro) que venha a turbá-la ou a esbulhá-la, recorrendo aos interditos possessórios" (Código Civil Anotado. 9. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 862).
Preleciona, ainda, Silvio Rodrigues:
"A composse está para a posse assim como o condomínio está para o domínio [...]. O exemplo mais freqüente de composse é a dos cônjuges, no regime da comunhão de bens, ao exercerem, sobre o patrimônio comum, os direitos de compossuidores. Os atos de posse, praticados por um dos cônjuges, não excluem atos semelhantes de seu consorte. O mesmo ocorre no caso de condomínio, em que os condôminos são compossuidores. Tanto num como noutro exemplo, qualquer dos compossuidores pode reclamar a proteção possessória, caso seja turbado, esbulhado ou ameaçado em sua posse" (Direito Civil: Direito das coisas. vol. 5. 28. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 26-27).
De igual forma, através da leitura do art. 1.399 do Código Civil também é possível constatar a possibilidade de se ingressar com ação possessória contra o compossuidor, pois o citado dispositivo legal prevê que "se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores".
Em casos semelhantes, já se manifestou esta egrégia Corte:
"REINTEGRAÇÃO DE POSSE - EXTINÇÃO DO FEITO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - INSURGÊNCIA - COMPOSSE - ART. 488, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - CARACTERIZAÇÃO - RECURSO PROVIDO - SENTENÇA ANULADA.
Havendo vários compossuidores, divisível é a posse, mas também é abstrata em toda a sua extensão, podendo os compossuidores manterem a composse através de medidas judiciais, inclusive contra terceiros, que possuem legitimidade passiva ad causam" (AC n.º 2002.022716-7, Des. Monteiro Rocha) (destacou-se).
"Existente a composse de imóvel, todos exercem simultânea e independentemente poderes possessórios sobre a mesma coisa, podendo cada um exercer sobre o objeto comum atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores" (AC n.º 1999.015633-8, Des. Carlos Prudêncio).
O extinto Tribunal de Alçada do Paraná manifestou-se no mesmo sentido:
"DIREITO CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. ALEGAÇÃO DE DESCABIMENTO DESSA AÇÃO ENTRE CONDÔMINOS. ESBULHO CONFIGURADO. AÇÃO POSSESSÓRIA ADMISSÍVEL. Pratica esbulho contra o condomínio o condômino que muda a destinação comum da coisa, passando a exercer a posse exclusiva. Neste caso, os demais condôminos têm direito a propor ação possessória para restabelecer a posse conjunta" (TA-PR, Acórdão n.º 18758, Des. Marcos de Luca Fanchin).
O entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não destoa:
"Composse. Área comum pro indiviso. Turbação. É cabível ação possessória intentada por compossuidores para combater turbação ou esbulho praticado por um deles, cercando fração da gleba comum" (REsp. n.º 136922/TO, Min. Ruy Rosado de Aguiar).
Ante o exposto, comprovado o julgamento extra petita da ação possessória, uma vez que a decisão se baseou em aspectos relativos à propriedade e não à posse, vota-se no sentido de dar provimento ao recurso para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, à unanimidade, deram provimento ao recurso.
Participou do julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Salete Silva Sommariva.
Florianópolis, 15 de maio de 2007.
Fernando Carioni
PRESIDENTE COM VOTO
Marcus Tulio Sartorato
RELATOR