Acórdão: Apelação Cível n. 2006.047572-4, de Chapecó.
Relator: Des. Monteiro Rocha.
Data da decisão: 01.02.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 154, edição de 28.02.2007, p. 295.
EMENTA: DIREITO CIVIL – COISAS – POSSE – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO – PROCEDÊNCIA PARCIAL NO JUÍZO A QUO – INCONFORMISMO DO RÉU – SEPARAÇÃO JUDICIAL – BENS PARTILHADOS DE POSSE EXCLUSIVA DA SEPARANDA – RETOMADA DOS BENS PELO EX-MARIDO – ESBULHO CONFIGURADO – PROTEÇÃO POSSESSÓRIA VIÁVEL – RECURSO IMPROVIDO.
Comete esbulho possessório, remediável através de reintegração de posse, o ex-cônjuge que retoma ilegalmente do outro bens de posse exclusiva deste, decorrente de homologação judicial da partilha.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 06.047572-4, da Comarca de Chapecó (Vara da Família, Órfãos, Infância e Juventude), em que é apelante M. P. , sendo apelada I. R.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Custas na forma da lei.
I - RELATÓRIO:
I. R., qualificada nos autos, através de advogado, ajuizou Ação de Reintegração de Posse contra M. P., seu ex-marido.
Afirmou que, nos termos do acordo da separação judicial acostado aos autos, passou a ser exclusiva proprietária e possuidora, dentre outros, dos seguintes bens: a) um compressor de ar "Pressure", que acompanha a cabine de pintura; b) um eletrodoméstico "Bimby 3300"; c) um aquecedor de R$ 2.000,00; d) três aquecedores "DeLonghi" de R$ 1.200,00; e) tapetes, televisor e outros bens.
Prosseguiu argumentando que em 03.06.2004 seu ex-marido/requerido adentrou nos imóveis da autora, retirando os bens supra e levando-os para a sede da empresa onde trabalha, pelo que resta configurado o esbulho possessório.
Assim discorrendo, requereu a procedência do pedido, com o deferimento de liminar possessória e, ao final, a reintegração definitiva na posse do compressor, do eletrodoméstico e dos quatro aquecedores.
Às fls. 17/19, a magistrada a quo deferiu inaudita altera parte a liminar requerida.
Citado, o requerido M. P. ofereceu contestação, alegando, em síntese, que não consta no termo da partilha amigável que os bens pleiteados pertençam à autora.
Ao final, pugnou pela improcedência do pedido, condenando-se a autora ao pagamento de custas e honorários.
Em réplica à contestação (fls. 27/28), a autora salientou que o compressor de ar integra a cabine de pintura e os demais equipamentos compunham os móveis do escritório.
Audiência conciliatória à fl. 51.
Apreciando antecipadamente a lide, o magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido.
A parte dispositiva da sentença apelada possui o seguinte teor (fl. 57):
"Ante o exposto e o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos requeridos na inicial da ação proposta por I. R. em face de M. P., para confirmar a decisão liminar de fls. 17/19 e reintegrar definitivamente à requerente a posse dos bens: a) compressor de AR PRESSURE, azul e vermelho; b) aparelho BIMBY 3300; c) três aparelhos aquecedores de ambiente, marca Delongue. Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), o que faço com fundamento no art. 20, § 4º, atendidas as alíneas do § 3º, do mesmo artigo, todos do CPC".
Irresignado com a resposta judicial, o réu M. P. interpôs recurso de apelação, alegando o seguinte: a) que na partilha de bens "em nenhum momento constou que o compressor fizesse parte dos bens que couberam à apelada"; b) que no termo de partilha ficou estipulado que a autora/apelada permaneceria com a "cabine de pintura", que possui a finalidade de isolar objetos após serem pintados, ao passo que o réu/apelante ficaria com a "máquina de pintura", a qual objetiva a aplicação de diversos tipos de tinta sobre uma superfície, pelo que o compressor é parte integrante desta última; c) que consta na partilha que dois aquecedores seriam de propriedade do réu/apelante.
Requereu, enfim, o provimento do recurso para julgar improcedente o pedido reintegratório, invertendo-se os ônus de sucumbência.
Não houve contra-razões (fl. 65-v.).
É o relatório.
II - VOTO:
A súplica recursal é dirigida contra sentença que, em ação de reintegração de posse, julgou parcialmente procedente o pedido, determinando a reintegração da autora na posse de um compressor de ar, um eletrodoméstico "BIMBY 3300" e três aquecedores de ambiente "DeLonghi".
Em suas razões de apelação, o ex-marido/requerido limita-se a argumentar que o compressor de ar e os três aquecedores lhe pertencem, segundo estabelecido no termo de partilha de fls. 07/10.
O apelo desmerece prosperar.
Colhe-se do item 1, letra "h", do termo de partilha que, dentre os bens do casal em litígio, permanecerá com a autora/apelada "a Empresa Solar Piscinas e a Empresa Global Piscinas [...]" (fl. 08).
Por outro lado, estipula o item 2, letra "c", do referido termo que cabe ao réu/apelante o "Estoque da Empresa Global Piscinas compreendido em uma laminadora, uma máquina de pintura, seis moldes de piscina, nove moldes de banheiras, um molde de um spa". O item 2, letra "e", menciona "Estoque da Empresa Solar Piscinas compreendido em três banheiras jacuzzi, dois aquecedores elétricos, exceto móveis do escritório e cabine de pintura" (fl. 08).
No tocante ao compressor de ar "Pressure", é fato incontroverso que este é parte integrante da cabine de pintura, tal como alegado pela autora em sua inicial, pois o réu em sua contestação não impugnou aludido fato, restringindo-se a argumentar que o compressor lhe pertence segundo o termo de partilha.
Além disso, é frágil a alegação do réu/apelante de que o compressor acompanha sua "máquina de pintura" e não a "cabine de pintura" da autora/apelada, porquanto, sem maiores detalhes e especificações de cada um dos equipamentos, pode o compressor de ar ser parte integrante tanto de um como de outro equipamento.
Com efeito, é perfeitamente plausível que a "cabine de pintura" da apelada constitua um sistema de pintura, com cabine, compressor de ar e pistola, motivo pelo qual deve prevalecer o fato alegado pela autora e não impugnado pelo réu na contestação, de que o compressor de ar acompanha a cabine.
Quanto aos três aquecedores "DeLonghi", como afirma o próprio réu/apelante são aquecedores de ambiente, do que se infere serem parte dos "móveis do escritório" da autora/apelada (item 2, letra "e").
Referidos aquecedores não podem ser considerados como parte do "estoque" da Empresa Solar Piscinas, que discrimina "dois aquecedores elétricos", sendo estes, até prova em contrário, aquecedores para piscina.
Por essas razões, mostra-se ilegal o ato do réu de retirada dos bens objeto do apelo, uma vez que, a partir da homologação da partilha, a posse sobre estes passou a ser exclusiva da autora.
Sobre o assunto, discorre TITO FULGÊNCIO que "cumpre observar que para ser um ato considerado turbação de posse, é mister que seja uma via de fato ilícito, a dizer, que o seu autor tenha agido ilegalmente" (Da Posse e das Ações Possessórias. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 2 v. v. 1: Teoria Legal - Prática, p. 104).
Efetivamente, resta caracterizado o esbulho possessório perpetrado pelo réu/apelante, fazendo jus a autora/apelada à proteção possessória, nos termos do Art. 1.210 do CC/2002, o qual dispõe que "o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado".
Ante o exposto, voto pelo improvimento do recurso.
III - DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, à unanimidade, esta Segunda Câmara de Direito Civil decide conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Carlos Freyesleben.
Florianópolis, 1º de fevereiro de 2007.
MAZONI FERREIRA
Presidente c/ voto
MONTEIRO ROCHA
Relator